14.º Almoço/Convívio do Batalhão de Caçadores 1936

Logo, cerca das 15H00, serei solicitado a dizer algumas palavras aos companheiros de guerra que partimos para Moçambique em Outubro de 1967 e regressámos a Portugal em Dezembro de 1969. Estarei na Régua para fazer a catarse de 26 meses de sofrimento com os sobreviventes e com as famílias. Seremos duzentas pessoas ou talvez mais.

Dir-lhes-ei, mais ou menos, estas palavras:


CAMARADAS do BCAÇ. 1936


Podem repetir-se na liturgia destes convívios as palavras, esgotar-se as ideias, fenecer a imaginação, mas revigoram-se os afectos no calor de cada novo encontro, fortalecem-se os laços em cada celebração que se renova.

Regressamos sempre. Todos os anos. O Barros, o Torres e o Teixeira – inexcedíveis na dedicação e entusiasmo – prepararam este almoço. Repetem-se os oficiantes das homilias breves sem as quais não ficariam sublinhados os motivos destes encontros.

Desde 2003 falta-nos o Freire, ele que esteve na preparação desse como esteve sempre nos anteriores encontros. Esta ausência involuntária dói-nos. É mais um, dos melhores, apanhado na picada da vida por uma emboscada de morte.

Não é preciso dizer o que sentimos. Sem os que partiram, sem qualquer um de nós, ficam mais pobres estes encontros. Mas sem eles, sem qualquer um de nós, sem muitos de nós, cumpriremos a vontade dos que já não podem com os que ainda vierem, mesmo quando já formos poucos, até os últimos serem. Hoje e sempre, nos anos que ainda houver.

Reunimo-nos sem os que ficaram em Malapísia e Catur, vítimas da guerra injusta e inútil que os consumiu. E sem os que vieram e já saltaram da viatura da vida nas curvas do caminho.
Recordamos uns e outros comovidamente. E os que não puderam vir.

Camaradas, conhecemo-nos da pior maneira, no pior dos sítios. Como é possível termos tão boas recordações e laços tão profundos?

– Fomos a única família que então tivemos, 26 meses. E a amizade que nasceu em cativeiro é protegida pelo arame farpado da memória. É uma granada defensiva que explode todos os anos, em estilhaços de alegria, sempre em local diferente.

Trinta e sete anos se passaram desde o regresso. Cada um trouxe a sua guerra. Hoje, todos queremos a paz. Não nos envergonhamos do tempo que perdemos a atrasar a história e a dificultar o futuro de Moçambique. Isso foi culpa da ditadura que numa manhã de Abril começou a ser julgada.
Um dos melhores homens que conhecemos – o Ti Luís Machambeiro, saudoso coronel Luís Vilela que comovidamente evoco – foi o comandante que nos coube. Foi também dos mais corajosos e dignos, comandante de um batalhão onde a brutalidade e as sevícias não foram permitidas. Do seu exemplo e da sua postura temos o direito de nos orgulharmos. Poupou-nos então a desonra e evita-nos hoje o remorso.
O major Artur Beirão que a democracia justamente fez general é o herdeiro que queremos saudar nos anos que vierem.

Repito palavras que há alguns anos escrevi: «Do navio que a todos nos levou para Moçambique, para trazer alguns menos dos que fomos na viagem penosamente longa do regresso, desse navio (...) – Vera Cruz – (...) resta uma memória sofrida. Dele apenas ficaram estas amarras que ainda hoje nos ligam, amarras que o medo e a revolta robusteceram, que resistem aos temporais da vida porque são fortes os laços e é firme o cais da fraternidade a que se prendem».

Meus caros camaradas e amigos, saúdo fraternalmente as famílias de cada um de vós que todos os anos se juntam à família que somos na cadeia de afectos que não deixaremos quebrar.

Até sempre.

Comentários

Anónimo disse…
Bom convívio para os camaradas do BCAÇ1936.

Muitos dos socialistas, consideram que os bons, foram aqueles que fugiram à guerra colonial, os que se resignaram a ir, por razões variadíssimas, foram trouchas...

Ficou a satisfação do dever cumprido, a satisfação de não sermos covardes e medrosos. De uma forma ou outra, termos preparado o caminho do 25 de Abril, que acabou chegando em 1974.

Agora, somos lixados, nas reformas, dizem que nos queremos aproveitar...miseráveis, deviam ter gramado com o sacrificio a que fomos obrigados...

Um camarada da CCART3451-BART3860, 29 meses de comissão, no norte de Angola.
Anónimo disse…
A)Memórias d´África:
133 AC - «Cent trente trois ans avant l´ère chrétienne, Tiberius Gracchus, fils de Sempronius et de Cornelie, était élevé à la dignité de tribun. C´ était un fils des classes supérieures…En face de l´orage (a) montant de la foule des esclaves, les premières paroles de Tiberius du haut des rostres (b) furent pour flatter (c) l´insurrection - «Nos généraux vous incitent à lutter pour les temples et les tombes de vos aieux. C´est un appel inutile et mensonger. Vous n´avez pas d´autels (d) de vos pères, vous n´avez pas de tombes ancestrales, vous n´avez rien. Vous ne combattez et vous ne mourez que pour procurer le luxe et la richesse des autres»
Obs: A propósito dos dramas da família Kennedy (Dallas) / «...os Kennedy tinham ficado vivamente impressionados pela desigualdade das condições sociais da sociedade norte-americana»
PS: página de uma revista francesa do final dos anos sessenta. Do tempo das nossas comissões em África/Moçambique.
(a) burburinho / b) estrados / (c) lisongear / (d) altares

B)Hoje, Tancos/Escola Páraq's - almoço anual batalhão Nacala/Moç:
Dois antigos cabos, bem na vida felizmente, muito ofendidos com abandono cemitérios de militares nacionais e África (emissão RTP recente)e propondo-se dinamizar «movimento s/problema».
Porque não houve/não há dinheiro para os recuperar - depois da estupidez da guerra, a paga aos «mortos pela Pátria» e suas famílias.
Aproveitei para lembrar incremento famigeradas pensões famigerado ministro Portas: Orçamentos Estado/MDN 05/06, rúbrica de crescimento 34%, algo como 35Milhões euros ou 7Mcontos para o cumprimento da famigerada lei esmolas antigos combatentes.
Portanto, para os mortos abandonados ou suas familias aqui, não há dinheiro no Estado.
No Estado e no estado a que isto chegou, parafraseando Salgueiro Maia sobre o antigo regime.
Felizmente, ainda há Cabos.
Luantes disse…
Meu caro ex companheiro de armas em terras de africa mais concretamente em moçambique labutando eu por malapisia e o meu amigo la pelo catur
estando nós em tempo d e guerra que eu não desejava guardo ainda assim muitas saudades de moçambique
neste almoço não tive o prazer de esatar presente mas ja nos encontramos varias vezes noutros almoços convivio
adorei encontrar este blog
continuem
Abraços
Godinho
Luantes disse…
Pena é que o Carlos Esperança não continue a contar nos algumas peripécias que passamos juntos em Moçambique
Adorei encontrar vos
abraços

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