Por quem andas de dó? (Crónica)
Das andanças pelo país que cada promoção implicava na vida de um funcionário de finanças, contava-me meu pai que numa aldeia de Bragança, onde aguardou dois anos o regresso à Guarda e à família, era costume os homens exonerarem Deus da obrigação de os chamar à sua divina presença.
Eles próprios encarregavam-se de o fazer por mor da disputa das estremas de uma vinha ou da serventia que dava acesso a um lameiro; por velhas rivalidades de que os próprios esqueceram a origem e mantinham vivo o ódio; por causa da partilha da presa comum cuja água era escassa e muita a necessidade para o renovo.
Motivos não faltavam, nem vinho à mistura, para azedar os ânimos e brandir o sacho ou a roçadoira após breve troca de palavras e despachar para o outro mundo o menos lesto a sacar da arma ou mais desprevenido de munições.
Soía às vezes acabar conformado um cristão, vítima de moléstia que lhe levava a febre e o consumia, a quem aparecia o pároco com o Viático mas faltava o médico para o aliviar das dores e o salvar.
Não era diferente nas terras da Beira onde as bengaladas, acabado o vinho dos pipos, desfaziam a feira e rachavam cabeças com a facilidade com que nessa mesma manhã se negociaram as rezes e se cobrara o alboroque.
Pior era a navalha de ponta e mola trazida de Espanha, na candonga, e espetada à sorrelfa na confusão dos chapéus que voavam, das cabeças que se abriam e dos trambolhões que o desequilíbrio do corpo avinhado e o acidentado do terreno propiciavam.
Eram tempos duros e valia pouco a vida...
Nesse ambiente rural e violento ganha credibilidade o diálogo, naquela aldeia de Bragança, que meu pai me reproduzia. Perguntaram a uma rapariga que vestia de luto carregado:
– Então por quem andas de dó, Maria?
– Ai, por mê pai.
– Então quem to matou, Maria?
– Ninguém…, foi Deus quem no apanhou à falsa fé na cama.
Eles próprios encarregavam-se de o fazer por mor da disputa das estremas de uma vinha ou da serventia que dava acesso a um lameiro; por velhas rivalidades de que os próprios esqueceram a origem e mantinham vivo o ódio; por causa da partilha da presa comum cuja água era escassa e muita a necessidade para o renovo.
Motivos não faltavam, nem vinho à mistura, para azedar os ânimos e brandir o sacho ou a roçadoira após breve troca de palavras e despachar para o outro mundo o menos lesto a sacar da arma ou mais desprevenido de munições.
Soía às vezes acabar conformado um cristão, vítima de moléstia que lhe levava a febre e o consumia, a quem aparecia o pároco com o Viático mas faltava o médico para o aliviar das dores e o salvar.
Não era diferente nas terras da Beira onde as bengaladas, acabado o vinho dos pipos, desfaziam a feira e rachavam cabeças com a facilidade com que nessa mesma manhã se negociaram as rezes e se cobrara o alboroque.
Pior era a navalha de ponta e mola trazida de Espanha, na candonga, e espetada à sorrelfa na confusão dos chapéus que voavam, das cabeças que se abriam e dos trambolhões que o desequilíbrio do corpo avinhado e o acidentado do terreno propiciavam.
Eram tempos duros e valia pouco a vida...
Nesse ambiente rural e violento ganha credibilidade o diálogo, naquela aldeia de Bragança, que meu pai me reproduzia. Perguntaram a uma rapariga que vestia de luto carregado:
– Então por quem andas de dó, Maria?
– Ai, por mê pai.
– Então quem to matou, Maria?
– Ninguém…, foi Deus quem no apanhou à falsa fé na cama.
Publicada no Jornal de Fundão, hoje
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