Laicidade e democracia
Acabo de tomar conhecimento de uma notícia horrenda e da confirmação da autoria de um acto terrorista, ambos a repetirem-se com trágica regularidade.
- Canadá - Pai é suspeito de estrangular a filha que não queria usar véu.
- Al Qaeda assume autoria de atentados que causaram 62 mortos na Argélia.
Se os Estados aprofundassem a distância em relação às religiões muitos sofrimentos se evitariam. Os partidos, na ânsia das vitórias eleitorais, capitulam com frequência face aos clérigos, na ânsia dos votos que julgam captar e das bênçãos que pensam arrecadar.
Os cidadãos andam alheados e não se dão conta de que só há liberdade religiosa quando a laicidade é uma exigência ética e política do Estado, quando este se obriga a garantir o direito à religião de cada um, bem como à sua ausência e às manifestações pacíficas de anti-religiosidade.
O Canadá, país de grande tolerância e respeito pelo multiculturalismo, pensou autorizar tribunais religiosos cujas sentenças tivessem como limite as do seu código penal. Creio que a sensatez prevaleceu. Não se pode igualar a civilização à barbárie, equiparar o Código Penal de um País culto com o direito de qualquer livro sagrado, a jurisprudência com a discricionariedade eclesiástica.
Se os Estados abdicarem da laicidade em que se alicerçam as democracias modernas, a pena de morte regressará aplicada a crimes tão exóticos como a blasfémia, o divórcio, a heresia, o adultério, a apostasia ou o sacrilégio, alguns deles direitos inalienáveis.
A igualdade entre os sexos, essa conquista das mulheres que as religiões não aceitam de bom grado ou liminarmente a repudiam, perder-se-á. E tudo isso porque os Estados não tratam as religiões com os critérios que usam para com os partidos políticos a quem proíbem - e bem - o racismo, a xenofobia, o incitamento à violência, a discriminação sexual e a homofobia.
Sob o pretexto do respeito pelas religiões, quase sempre para favorecer a maioritária, fica o Estado sem autoridade para reprimir os crimes religiosos com a severidade que aplica a outros de origem diferente.
Comentários
CE:
Não é preciso chegar à Argélia...
Veja o caso do aborto nos EUA e a guerilha religiosa que se estabeleceu à sua volta e que está a influenciar as próximas eleições americanas, nomeadamente, um dos candidatos do Partido Republicano, Rudolph Giuliani.
Giuliani, teve a ousadia de defender o aborto e condenar a homofobia e, de imediato, levantou uma onda que quase o engole: católicos, envagélicos, baptistas, etc., multiplicam-se na exumação política do homem. Começa a ser citada, com cada vez mais insistência, na imprensa dos EUA, uma denomindad "direita religiosa", que ninguém sabe, no concreto, o que é e o que representa.
As Igrejas (no plural) pretendem mais. Querem influenciar as decisões do Supremo Tribunal americano.
E, a América, ficou conhecida no Mundo como o País das liberdades.
Com esse sentido, George Washington instituiu o dia oficial de Ação de Graças, como a grande manifestação americana de carácter laico, onde pessoas de todos os credos e nacionalidades participam. Este espírito laico do fundador já foi torpedeado.
Mantêm lá (à entrada de NY)a estátua, mas a prática foi-se.
Enquanto, a grande potência mundial - o polícia do MUndo! - não souber lidar com a laicidade, vamos ter tremendas dificuldades na luta contra o terrorismo.
Tanto faz colher as impressões digitais dos 10 dedos das mãos, descalçar os sapatos,etc., como olhar para o lado ou assobiar...
NOTA
Espero que o SEF - em relação aos americanos que pretendam entram no País - use a regra da reciprocidade, nestas mandingâncias securitárias que, em minha opinião, mais dia menos dia, vão tornar o intercâmbio humano internacional, insuportável.
Estão em perigo e subvertidos os valores liberais consagrados nos documentos fundamentais dos EUA por Benjamin Frnklin e Thomas Jefferson.
A Europa precisa de defender o seu modelo e preservar o secularismo e a laicidade.
O Kosovo é um caso exemplar das lutas tribais entre sérvios e albaneses, entre cristãos ortodoxos e muçulmanos (muitos destes sérvios).
Eu tenho algumas dúvidas sobre este tipo de laicidade, de facto o estado deve ser isento perante todas as religiões, já tratá-las por igual tem que se lhe diga. Uma religião maioritária não é igual a uma religião minoritária, não me repugna ver um alto representante da religião maioritária(perfilhada pela maior parte da população), como fazendo parte do protocolo de estado.
Uma outra, essa sim, perigosa ideia de laicidade é aquela em que, a pretexto da ideia de separação do estado da religião, se vai banir um símbolo religioso de um espaço público.Em vez de se permitirem mais símbolos elimina-se aquele, que no caso representa a religião maioritária. A religião é um espaço de integração, o estado não pode estar ao seu serviço, mas também não pode ignorar uma dimensão essencial do cidadão enquanto ser humano.Nem que seja a religião de não ter religião.
É um ponto de vista respeitável, o seu.
Mas depois acontece que o Estado fica desarmado perante os crimes religiosos.
E, não se esqueça, as maiorias de hoje serão minorias amanhã, na política como na religião.
Viva a Liberdade!