Enriquecimento ilícito
AHP pronunciou-se num post anterior contra a criminalização do enriquecimento ilícito. Eu tenho, com todo o devido respeito pela opinião de ahp, uma posição diferente. É óbvio que nesta matéria extremamente delicada é sempre necessário ser cauteloso, tendo em conta as garantias fundamentais dos cidadãos em sede de direito penal.
Os crimes de colarinho branco, e em especial os crimes de corrupção, apresentam desafios muito especiais que tornam muito difícil a sua prova. Muito frequentemente, tendo em conta a sofisticação das técnicas criminosas e os sucessivos filtros empregues (sociedades off-shore, branqueamento de capitais) é muito difícil provar os delitos de corrupção.
A corrupção é um fenómeno que inquina a sociedade, promovendo uma degradação da sociedade, do estado, acentuando desigualdades, e dificulta o desenvolvimento harmonioso da economia. No caso de Portugal, está a atingir proporções que hipotecam o desenvolvimento do país e oneram as gerações futuras.
O estado-de-direito, não obstante dever oferecer garantias de "due process" aos arguidos, não deve entender essas garantias de forma fundamentalista. É sabido que os direitos, liberdades e garantias podem ser restringidos, de forma proporcional, e desde que o seu núcleo essencial não seja sacrificado. O estado-de-direito que não protege adequadamente os bens jurídicos que visa garantir é um estado-de-direito iníquo.
Entendo que, a criminalização do enriquecimento ilícito de funcionário ou de titular de cargo público, sendo bem configurada, não sacrifica o núcleo essencial do bem jurídico protegido (presunção de inocência), e que é proporcional (adequada, necessária e proporcionada).
A norma punitiva deve restringir-se a funcionários e a titulares de cargos públicos. Estes têm deveres especiais de lealdade e de fidelidade para com o Estado. Também estão frequentemente obrigados a dedicação profissional exclusiva e impedidos de exercer o comércio ou actividades empresariais, e de forma geral, não auferem (ou não devem auferir) rendimentos para além da remuneração pelas suas funções públicas. O seu direito à privacidade poderá ser, em conexão com o sue especial vínculo de servidor público, comprimido de forma a haver transparência. Um funcionário público que aufira rendimentos justificados (prémio do totoloto, herança, receitas de capital) está aliás obrigado a declará-las fiscalmente. A transparência e a prevenção de crimes de corrupção devem prevalecer sobre a vontade do funcionário público de querer ocultar determinado tipo de rendimentos (que de qualquer forma, sendo declarados, sê-lo-hão de forma confidencial).
A norma punitiva não deve estabelecer uma inversão do ónus da prova, mas outrossim impôr ao arguido deveres processuais especiais de cooperação com a investigação e com o tribunal. Os factos sendo, em processo penal, dados como provados ou não segundo a livre convicção do julgador baseada em regras de experiência (art. 127 do Código de Processo Penal), a norma punitiva deve permitir ao julgador um crivo especialmente crítico do julgador face à recusa da justificação do facto que deu causa ao enriquecimento, mas não uma inversão automatica do ónus da prova.
A criminalização do enriquecimento injustificado é uma das recomendações da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção:
"Article 20
Illicit enrichment
Subject to its constitution and the fundamental principles of its legal system,
each State Party shall consider adopting such legislative and other measures as may
be necessary to establish as a criminal offence, when committed intentionally, illicit
enrichment, that is, a significant increase in the assets of a public official that he or
she cannot reasonably explain in relation to his or her lawful income".
E existe em estados-de-direito veteranos e percursores dos direitos humanos, como é o caso de França:
"Article 321-6 Code Pénal
Le fait de ne pas pouvoir justifier de ressources correspondant à son train de vie ou de ne pas
pouvoir justifier de l'origine d'un bien détenu, tout en étant en relations habituelles avec une ou
plusieurs personnes qui soit se livrent à la commission de crimes ou de délits punis d'au moins cinq
ans d'emprisonnement et procurant à celles-ci un profit direct ou indirect, soit sont les victimes
d'une de ces infractions, est puni d'une peine de trois ans d'emprisonnement et de 75 000 Euros
d'amende."
Penso que se deve, salvo respeito por melhor opinião, equacionar a criminalização do enriquecimento injustificado, sem tabus, mas com uma construção técnica e cautelosa que permita uma justa e eficaz concordância prática entre os bens jurídicos em causa.
Os crimes de colarinho branco, e em especial os crimes de corrupção, apresentam desafios muito especiais que tornam muito difícil a sua prova. Muito frequentemente, tendo em conta a sofisticação das técnicas criminosas e os sucessivos filtros empregues (sociedades off-shore, branqueamento de capitais) é muito difícil provar os delitos de corrupção.
A corrupção é um fenómeno que inquina a sociedade, promovendo uma degradação da sociedade, do estado, acentuando desigualdades, e dificulta o desenvolvimento harmonioso da economia. No caso de Portugal, está a atingir proporções que hipotecam o desenvolvimento do país e oneram as gerações futuras.
O estado-de-direito, não obstante dever oferecer garantias de "due process" aos arguidos, não deve entender essas garantias de forma fundamentalista. É sabido que os direitos, liberdades e garantias podem ser restringidos, de forma proporcional, e desde que o seu núcleo essencial não seja sacrificado. O estado-de-direito que não protege adequadamente os bens jurídicos que visa garantir é um estado-de-direito iníquo.
Entendo que, a criminalização do enriquecimento ilícito de funcionário ou de titular de cargo público, sendo bem configurada, não sacrifica o núcleo essencial do bem jurídico protegido (presunção de inocência), e que é proporcional (adequada, necessária e proporcionada).
A norma punitiva deve restringir-se a funcionários e a titulares de cargos públicos. Estes têm deveres especiais de lealdade e de fidelidade para com o Estado. Também estão frequentemente obrigados a dedicação profissional exclusiva e impedidos de exercer o comércio ou actividades empresariais, e de forma geral, não auferem (ou não devem auferir) rendimentos para além da remuneração pelas suas funções públicas. O seu direito à privacidade poderá ser, em conexão com o sue especial vínculo de servidor público, comprimido de forma a haver transparência. Um funcionário público que aufira rendimentos justificados (prémio do totoloto, herança, receitas de capital) está aliás obrigado a declará-las fiscalmente. A transparência e a prevenção de crimes de corrupção devem prevalecer sobre a vontade do funcionário público de querer ocultar determinado tipo de rendimentos (que de qualquer forma, sendo declarados, sê-lo-hão de forma confidencial).
A norma punitiva não deve estabelecer uma inversão do ónus da prova, mas outrossim impôr ao arguido deveres processuais especiais de cooperação com a investigação e com o tribunal. Os factos sendo, em processo penal, dados como provados ou não segundo a livre convicção do julgador baseada em regras de experiência (art. 127 do Código de Processo Penal), a norma punitiva deve permitir ao julgador um crivo especialmente crítico do julgador face à recusa da justificação do facto que deu causa ao enriquecimento, mas não uma inversão automatica do ónus da prova.
A criminalização do enriquecimento injustificado é uma das recomendações da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção:
"Article 20
Illicit enrichment
Subject to its constitution and the fundamental principles of its legal system,
each State Party shall consider adopting such legislative and other measures as may
be necessary to establish as a criminal offence, when committed intentionally, illicit
enrichment, that is, a significant increase in the assets of a public official that he or
she cannot reasonably explain in relation to his or her lawful income".
E existe em estados-de-direito veteranos e percursores dos direitos humanos, como é o caso de França:
"Article 321-6 Code Pénal
Le fait de ne pas pouvoir justifier de ressources correspondant à son train de vie ou de ne pas
pouvoir justifier de l'origine d'un bien détenu, tout en étant en relations habituelles avec une ou
plusieurs personnes qui soit se livrent à la commission de crimes ou de délits punis d'au moins cinq
ans d'emprisonnement et procurant à celles-ci un profit direct ou indirect, soit sont les victimes
d'une de ces infractions, est puni d'une peine de trois ans d'emprisonnement et de 75 000 Euros
d'amende."
Penso que se deve, salvo respeito por melhor opinião, equacionar a criminalização do enriquecimento injustificado, sem tabus, mas com uma construção técnica e cautelosa que permita uma justa e eficaz concordância prática entre os bens jurídicos em causa.
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