Escutas e leituras

Ilustres juristas continuam opinar sobre problemas de processo penal.
Hoje foi a vez do insigne Professor Costa Andrade publicar no Público um texto muito critico da decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

O mesmo Professor que há pouco tempo alertava para o potencial de devassa das escutas telefónicas, entende que as escutas em que intervém o Senhor Primeiro-Ministro não deveriam ser destruídas, pois estas poderiam ser muito importantes para, por exemplo, a defesa de Armando Vara.

Arauto dos direitos dos arguidos, Costa Andrade não terá tido, porém, espaço para levar a cabo a exegese do artigo 11.º do Código de Processo Penal que determina:

2 — Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:
"b) Autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro -Ministro e determinar a respectiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º;"

É pena que o jornal "Público" não tenha concedido espaço para que toda a comunidade jurídica pudesse beneficiar do contributo do ilustre Professor na interpretação desta norma.

Humildemente vou tentar interpretá-la:

- a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro carece de autorização do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

- se indevidamente tiver sido feita essa intercepção, gravação ou transcrição, compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinar a respectiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º.

Poderemos elaborar algumas colunas em torno da teoria dos "factos fortuitos"; podemos demonstrar grande conhecimento sobre a teoria do juiz de instrução. Tudo isso é bom. Mas não podemos passar por cima do artigo 11.º do Código de Processo Penal sem uma palavra.

Por isso, e porque não aceitamos a tese de que in claris non fit interpretatio, perguntemos porque razão o legislador entendeu criar um regime tão rigoroso quando estão em causa:
- a intercepção,
- a gravação e
- a transcrição
de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia
da República ou o Primeiro-Ministro?

Precisamente pelo potencial de devassa que representam as escutas telefónicas, por ser um meio pérfido de obtenção de informações, e pelo especial perigo para a segurança do Estado de Direito, para a soberania nacional e para a estabilidade da República que constitui o facto de - a propósito da investigação de crimes cometidos por terceiros - a Polícia Judiciária, o Ministério Público e o Juiz de Instrução de uma comarca (e - segundo se diz - a partir daí alguns jornais mais habilidosos) poderem ter acesso às opiniões mais secretas, aos pensamentos indizíveis, às palavras que o sentido de Estado não permite ao PR, ao Presidente da AR e ao PM proferir em público.
É por isso que desde a raiz, desde o primeiro momento em que for "apanhada" uma conversa com algum destes Senhores ou Senhoras, se impõe a imediata comunicação ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
E este e só este - nos termos o artigo 11,º do CPP - pode decidir...:
"Autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro -Ministro..."

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