Combate à corrupção - 1

Muito se tem dito e escrito sobre a praga da corrupção e os métodos para a combater. Ora, muitas das panaceias apresentadas, embora porventura potencialmente eficazes, são inaceitáveis num Estado de direito democrático. Vejamos as principais.

1. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO - Propõe-se que se crie um novo tipo de crime que seria o "enriquecimento ilícito". Ora,que vem a ser o enriquecimento ilícito? Obviamente, um enriquecimento resultante da prática de crimes (por ex., corrupção, tráfico de drogas ou de armas, etc.)Mas todos esses actos são já por si considerados crimes pela lei penal. Seria absolutamente redundante considerar crime a corrupção e o enriquecimento através da corrupção. O que se esconde atrás desta ideia é criminalizar qualquer enriquecimento cuja origem se desconhece, isto é, uma inversão do ónus da prova, que ficaria a cargo do arguido. Assim, se um indivíduo apresentasse um nível de vida superior ao correspondente aos seus rendimentos declarados, ou fizesse despesas desproporcionadas a esses rendimentos, poderia ser logo acusado de "enriquecimento ilícito", não sendo necessário alegar na acusação quaisquer factos demonstrativos dessa ilicitude; o acusado, se quisesse defender-se, é que teria de provar uma origem lícita do seu enriquecimento. Ora isto é inadmissível. Uma pessoa pode aumentar o seu património licitamente sem se saber como. Por exemplo, ganhar no totoloto. É indiscutível que ganhar o totoloto não é crime; mas o cidadão que o ganhou tem todo o direito de não querer que se saiba e não contar a ninguém. Uma mulher pode apresentar um nível de vida elevado por este lhe ser proporcionado por um amante rico que tem em segredo. Isto não é crime; mas tanto a mulher como o amante têm o indeclinável direito de não verem publicitada a sua relação.

Muitos outros exemplos poderiam indicar-se.
Assim, a criminalização do enriquecimento "ilícito" é perversa em si mesma.

Mas o pior é que a inversão do ónus da prova que ela implica constituiria um precedente gravíssimo, que só encontra paralelo nos processos da Inquisição.

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