O "indigenismo" e o despertar da América do Sul


As relações multilaterais, nomeadamente, as económicas, entre a América do Sul e os países asiáticos, foram a pedra de toque da mudança que determinou a diferenciação nas perspectivas futuras e acabaram por formatar importantes diferenciações entre o século XX do XXI, nestes dois continentes.

As relações económicas com a Ásia – nomeadamente com o gigante chinês - abriram à América do Sul amplas e novas oportunidades, trouxeram o acesso à modernização (que marca o século XXI) e ao aperfeiçoamento de sistemas concorrenciais, imprescindíveis para enfrentar a globalização.

Para os tradicionais parceiros deste novo continente, os EUA continuam a desempenhar um papel importante, mas cada vez mais acessório e marginal.
A Europa, entrou numa via de esmorecimento nas relações económicas e a sua actual influência é fundamentalmente cultural, resquícios do velho colonialismo. No século XX o maior contributo da Europa terá sido o despertar de uma moderna e influente literatura, onde pontificam nomes como Gabriel Garcia Marques, Jorge Amado, Jorge Luís Borges, entre muitos outros. Hoje, para além de manter uma qualidade literária relevante, os protagonistas são outros. São os promotores de empreendimentos económicos, os estrategas do desenvolvimento e a intensificação do comércio internacional.

Esta abertura ao Mundo coincidiu com a implantação na maioria dos Países latino-americanos de regimes democráticos e o terminus das políticas golpistas dos coronéis.
Muitas das democracias sul americanas são ainda rudimentares, essencialmente deficitárias no campo social (continuam a persistir enormes bolsas de pobreza), outras serão atípicas (como, p. exº, a Venezuela) , continuando a existir reminiscências de regimes obsoletos (como, p. exº., Cuba).
Todavia, verificamos que quanto mais moderno é o sistema político, portanto, mais próximo dos modelos tradicionais são as democracias nos diferentes Países, maior é o índice de progresso e desenvolvimento atingido. Hoje, começa a florescer a noção que o grande óbice ao desenvolvimento são as brutais desigualdades (económicas, sociais, educativas e culturais).

No actual estadio cultural, quanto mais forte é a consciência social, mais força ganha força um novo e vigoroso movimento político- cultural – o indigenismo.

O indigenismo, entendido como movimento político, social e antropológico, não é uma doutrina recente, nem sequer foi concebida na América do Sul.
Tem a sua natividade no México (1º. Congresso Indigenista Interamericano, 1940) e desenvolve-se sob fortes raízes nacionalistas. É um movimento que, em primeiro lugar, enfrenta a discriminação, barreira que bloqueou todo o desenvolvimento da América Latina.
As diferentes comunidades indígenas, protagonistas deste movimento, viviam em regime de exclusão por todo este continente. A sua integração política e social – nem sempre fácil e pacífica – tem mudado a face de alguns Países latino-americanos.
O seu primeiro êxito foi a eleição de Evo Morales como presidente da Bolívia, mas seguiram-se outras adesões, p. exº., o Equador e o Peru. Ganha, cada dia que passa, uma nova dinâmica em Países como o Brasil e o Chile e na América Central.
A relação do indigenismo com a terra (nomeadamente o conceito de “soberania alimentar” e a gestão da água) e a protecção do ambiente (criação de áreas protegidas em substituição das “reservas” europeias) criou um movimento popular multifacetado compatível com sistemas políticos democráticos que, indubitavelmente, trouxeram uma substancial melhoria da qualidade de vida e o apetite pelo exercício da cidadania destes povos.

O problema actual é saber qual a dimensão que o indigenismo desempenhará no desenvolvimento global durante o século XXI.
Isto é, se continuará autónomo e associado ao desenvolvimento deste enorme e vasto continente ou se será “recuperado” por modelos estranhos, oriundos de um Mundo submetido a uma vivência global.

Comentários

Alfacinha disse…
Quer queiram, ou não, o indigenismo é um identitarismo, uma doutrina politico-social que defende a etnia e as tradições. Fossem eles europeus e brancos e eram logo apelidados de nacionalistas neo-nazis.

P.S.: Gostei dessa, de chamar obsoleto ao regime cubano, hilariante.
e-pá! disse…
caro Alfacinha:

Embora tendo uma raiz nacionalista ela é essencialmente antropológica.

O seu "alvo" é exactamente acabar com a discriminação. Defender a terra - que foi durante séculos explorada por colonialistas e/ou neo-colonialistas - não pode ser considerado um nacionalismo do tipo "neo-nazi".
É tomar nas suas mãos a estratégia do desenvolvimento.

O indigenismo não segrega "os outros", não impõe regras, nem fomenta perseguições...
Alfacinha disse…
Caro e-pá,

Não tenho assim tanta certeza.
Há tempos vi um documentário sobre a nação Guarani da Bolivia e não me pareceu que a sua luta fosse contra a discriminação, alíás fiquei com a ideia de que eles, além de não quererem que ninguém vá lá explorar o gás natural, querem a completa segregação, incluindo a proibição de casamentos mistos.

O que me faz confusão é que há quem ache normal e completamente acitável este tipo de posições quando elas são assumidas, por exemplo, pelos índios ou pelos ciganos mas se forem europeus, cai o carmo e a trindade, levam logo com o carimbo de racistas, neo-nazis, extremistas e o diabo a quatro.

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