CAMARADAS do BCAÇ. 1936

Podem repetir-se, na liturgia destas reuniões, as palavras; esgotar-se as ideias; fenecer a imaginação, mas revigoram-se os afectos no calor de cada novo encontro e fortalecem-se os laços em cada celebração que se renova.

Regressamos sempre. Todos os anos. Os mordomos repetem-se – o Torres e o Barros – inexcedíveis na dedicação e no entusiasmo com que preparam estes almoços, militantes exemplares do nosso congresso anual. Repetem-se os oficiantes destas homilias breves sem as quais não ficariam suficientemente sublinhados os motivos do encontro.

Mas hoje falta-nos o Freire, ele que esteve sempre na preparação dos anteriores encontros. Esta ausência dói-nos. O Freire deixou-nos, apanhado na picada da vida por uma emboscada fatal.

Não é preciso dizer o que sentimos. Sem ele, sem qualquer um de nós, ficam mais pobres estes encontros. Mas sem ele, sem qualquer um de nós, sem muitos de nós, cumpriremos a vontade do Freire com os que puderem vir, mesmo quando já formos poucos, até os últimos serem. Hoje e sempre, nos anos que ainda houver.

Reunimo-nos sem os que foram para Malapísia e Catur e não regressaram, vítimas da guerra injusta e inútil que os consumiu. E sem os que vieram e já saltaram da viatura da vida nas curvas do caminho. Uns e outros recordamos comovidamente. E os que não puderam vir.

Camaradas, conhecemo-nos da pior maneira, no pior dos sítios. Como é possível termos tão boas recordações e laços tão profundos?

– Fomos a única família que então tivemos, 26 meses. E a amizade que nasceu em cativeiro é protegida pelo arame farpado da memória. É uma granada defensiva que explode todos os anos, em estilhaços de alegria, sempre em local diferente.

Trinta e seis anos passaram já desde o regresso. Cada um trouxe a sua guerra. Hoje, todos queremos a paz. Não nos envergonhamos do tempo que perdemos a atrasar a história e a dificultar o futuro de Moçambique. Isso foi culpa da ditadura que numa manhã de Abril começou a ser julgada.

Um dos melhores homens que conhecemos – o Ti Luís Machambeiro, saudoso coronel Luís Vilela que comovidamente evoco – foi o comandante que nos coube. Foi também dos mais corajosos e dignos, comandante de um batalhão onde a brutalidade e as sevícias não eram permitidas. Do seu exemplo e da sua postura temos o direito de nos orgulharmos. Poupou-nos então a desonra e evita-nos hoje o remorso. O major Artur Beirão que a democracia justamente fez general é herdeiro legítimo que queremos saudar por muitos anos ainda.

Repito palavras que há quatro anos escrevi: «Do navio que a todos nos levou para Moçambique, para trazer alguns menos dos que fomos na viagem penosamente longa do regresso, desse navio (...) – Vera Cruz – (...) resta uma memória sofrida. Dele apenas ficaram estas amarras que ainda hoje nos ligam, amarras que o medo e a revolta robusteceram, que resistem aos temporais da vida porque são fortes os laços e é firme o cais da fraternidade a que se prendem».

Meus caros camaradas e amigos, saúdo fraternalmente as famílias de cada um de vós que este ano se juntaram à família que nós somos na cadeia de afectos que não deixaremos quebrar.

Uma rajada de abraços.

Caldas da Rainha, 8 de Outubro de 2005

Nota: Palavras hoje proferidas, no almoço anual, aos sobreviventes da guerra colonial, do BCAÇ. 1936.

Comentários

Anónimo disse…
De súbito, o ponte Europa não aborda mais a política coimbrã. É verdade que é desinteressante, mas esse facto já seria matéria para reflexão. No entanto, todo o empolgamento aqui vivido há semanas, veio a esmorecer. A derrota de VB é certa e, pior, a vitória de Encarnação também. Gouveia Monteiro até sonha com dois lugares ... Mas o que fica é o absoluto esvaziamento do PS-Coimbra e a patética intervenção de última hora de Fausto Correia, cumprindo o politicamente correcto, sentado longe no centro da Europa, com proventos NÃO MERECIDOS - a tal voz de Coimbra na Europa. O que disse ele até agora ? O que conseguiu para a cidade ? Nada ! E nada porque não podia ser de outra forma. O Parlamento Europeu não está lá para ouvir vozes de cidades ... A frase de Fausto estava na linha do "prestígio" (e proveito ...) que Durão iria trazer a Portugal !E assim está o PS em Coimbra. Até António Almeida Santos, em intervenção na Esc.Sec.José Falcão, veio referir-se aos computadores como as "demoníacas máquinas" ... e não o disse com ironia !!! Um PS descrente, velho, abatido, contra um PSD falso beato, carreirista, "coltural", mas instalado. Sobra a CDU que nos últimos tempos, bastou abarbatar um pelouro para passar a piar fininho (escandalosa o fechar de olhos á política "coltural" da Câmara !). Resta o Bloco. Não sei quem é cabeça de lista, sei da sinceridade de outros candidatos. É obviamente um voto de protesto, mas se a "trilogia" camarária coimbrã se transformasse em quadrado, talvez se agitasse o marasmo de uma cidade que eu julgava educada e de vanguarda. A decadente Universidade, há muito ultrapassada em dinamismo e espírito de abertura pelas de Aveiro e Minho, não pode arrastar a cidade atrás. Proponho a ruptura ! Voto no Bloco, seja lá isso o que for !!!
cãorafeiro disse…
DESANIMADO:

acredita mesmo que o bloco quer a ruptura? observe-os bem...

note que eu sou de esquerda e também ando muito desiludido, diria mesmo profundamente desiludido com o PS, basta dizer que vivo em lisboa...

há uns meses, fui a uma reunião de uma comissão de moradores contra a lei das rendas. estava lá uma deputada do bloco, chamada alda macedo. tinham sido convidados todos os grupos parlamentares, mas só esta senhoa compareceu.
no final pediu a palavra e pos-se a discursar. das asneiras que disse, pude compreender que ela nem se tinha dado ao trabalho de ler o projecto do governo, e menos ainda as propostas da comissão de moradores. resumindo, não percebia nada do assunto. trata-se da mesma senhora que invadiu uma reunão de vereadores da camara municipal do porto.
ou seja, o bloco é só propaganda sem qualquer substancia...
cãorafeiro disse…
«Camaradas, conhecemo-nos da pior maneira, no pior dos sítios. Como é possível termos tão boas recordações e laços tão profundos?»

como é que consegue o ser humano tirar coisa positivas das piores experiências? no fundo, é a necessidade que temos de continuarmos a ser humanos...
Anónimo disse…
CãoRafeiro, eu não acredito que o Bloco queira a ruptura. Eu é que a quero e em alguns locais não vejo alternativa a não ser votar no Bloco, que normalmente é aquele que nunca esteve em qualquer tipo de poder !

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