O Mediterrâneo, sob um feroz e incansável ‘mistral’…
O chefe do Igreja católica constatou, ontem, junto ao Coliseu de Roma, nas cerimónias pascais, que o Mediterrâneo “é um cemitério insaciável…” e “a Europa insensível…” link.
É, de facto, a constatação de uma evidência. Um relato mais apropriado a um observador distante do que um pensamento adequado a quem deseja ser um protagonista da História.
O Mediterrâneo com um infindável percurso histórico foi o berço das grandes civilizações europeias tem uma ancestral carga política, económica, financeira e cultural. A revolução industrial marginalizou este Mar interior, deslocando a centralidade do desenvolvimento económico e financeiro para o centro e Norte da Europa e deixando o Mare Nostrum entregue às sobras - ao pequeno comércio de cabotagem e ao cultivo das oliveiras.
Mas regressemos ao tempo presente, à contemporaneidade. O problema tornou-se extremamente grave e difícil de ocultar e na Cimeira de Paris (2008) link sob o pomposo objectivo “União para o Mediterrâneo” e foi – politicamente – necessário fazer alguma coisa que salvasse os povos do Sul da Europa e do Norte de África (bordaduras naturais do Mediterrâneo) de um fatídico destino de miséria e subdesenvolvimento.
Estiveram representados 43 Países (27 membros da UE e 16 do sul e Leste do Mediterrâneo). Daí saíram algumas ‘iniciativas’ como: a descontaminação ambiental, a criação de ‘auto-estradas’ terrestres e marítimas, o reforço da protecção civil, a promoção da educação superior e da investigação, o apoio às PME e o desenvolvimento de energias alternativas.
Nada que se possa constatar como sendo modesto. Foram lançados os pilares para a cooperação euro-mediterrânica e uma certa coesão regional.
Passados 8 anos desta célebre cimeira de Paris o que verificámos?.
O tal cemitério insaciável de refugiados cansados de esperar por condições dignas de vida e fartos de 'promessas'. Mas uma tragédia nunca vem só. A migração ‘urgente e imperiosa’ é também motivada por sanguinárias e bárbaras guerras (sejam civis, sejam de índole religiosa).
Do decidido em Paris no ano 2008 (por sinal nos primórdios da crise financeira europeia e mundial) o que foi feito?
Nada!. Pior, foi lançada a tão propagandeada ‘Primavera Árabe’ que tanto políticos como analistas históricos receiam vasculhar e denunciar os princípios, meios e fins.
A homilia sacra do chefe dos católicos segue o mesmo caminho. Vê o acumular de cadáveres (o tal ‘insaciável cemitério’) como se os homens, as mulheres e as crianças fossem caçadas por um similar do conde de Drácula que levantando-se do túmulo vagueava pela terras e mares a alimentar-se do sangue dos vivos e assim ganhar forças.
A gravidade da situação não se compadece com histórias da carochinha, com lendas ou omissões.
Existe já uma abundante retórica política predominantemente preocupada em desvirtuar e ocultar os trágicos acontecimentos. Não precisamos de uma outra retórica (religiosa) que evite chamar os bois pelos nomes.
Foi isso que aconteceu, ontem, no Coliseu de Roma. De resto a denominada ‘via sacra’ também significa a longa caminhada de sofrimento. O que estamos a presenciar no Mediterrâneo.
Comentários
A 'injustiça' pode (deve) ser atribuída à [minha] dificuldade em distinguir um chefe de Estado de um chefe religioso (incarnados na mesma personagem).
Não consigo fazer esta 'separação' (de poderes, de saberes e de seres...).
As posições 'majestáticas' incomodam-me porque as considero muito piedosas mas pouco realistas (uma contradição dinástica).