A CDE e o recenseamento eleitoral – uma pequena história da História
Regressei a Portugal em finais de dezembro de 1969, depois de cumprida a pena maior, quatro anos e quatro dias, 26 meses de degredo incluídos, em Moçambique, no distrito do Niassa onde, além de macuas e ajauas, sobreviveram mosquitos, cantineiros, um dos dois capatazes dos Caminhos de Ferro e muitos de nós, militares à força.
Estive ao serviço da ditadura, na guerra colonial, por um único crime – ser português.
Tinha cumprido o Serviço Militar Obrigatório (SMO), cuja legitimidade ainda defendo, se ao serviço da Pátria e da democracia, e não na ocupação da pátria de outros.
Depois da explosão de afetos na reunião de família, que me esperava em Lisboa, ainda segui para Chaves onde, segundo o jargão militar, seria desmobilizado. A raiva daquela viagem inútil crescia em cada quilómetro percorrido e era canalizada para o regime que continuava a alimentar uma guerra injusta, inútil e criminosa. A azeda troca de palavras com um major, durante a viagem, revelou-se inócua. Não havia medidas de segurança para prorrogar indefinidamente a permanência na tropa, ao contrário do que sucedia em Caxias ou Peniche com as decisões dos juízes fascistas dos Tribunais Plenários.
Regressado à Pátria, retomei a atividade docente, em Lisboa, e, em breve, reencontrei os velhos companheiros do cineclube Imagem e antigos camaradas da tropa a quem a guerra tinha despertado para a política ou radicalizado contra a ditadura. Eu pertencia aos últimos e num dos primeiros dias em que entrei na sala de aula, perante os alunos, retirei a fotografia de Salazar que era ilegal por já não ser primeiro-ministro. Ficou logo escandalizado o Gonçalves, colega que de imediato se queixou ao secretário de zona, o Fernando Pires, aluno de direito que não morria de amores pela ditadura.
Passado algum tempo, já sócio da Cooperativa Devir, militante da campanha a favor do recenseamento eleitoral, morador na Calçada do Carriche, fui com outros oposicionistas à Junta de Freguesia da Ameixoeira (creio que era este o nome) para me recensear.
Fomos atendidos pelo Presidente da Junta que, com um sorriso escarninho, nos elucidou sobre o que era preciso. Claro que íamos preparados. Perguntou-nos, então, se sabíamos escrever, se tínhamos levado caneta e, quando julgávamos que já não tínhamos qualquer obstáculo pela frente, perguntou-nos se tínhamos o papel legal para o requerimento.
E não tínhamos! Perguntámos que tipo de papel devíamos levar, quando voltássemos. Foi então que, num gesto de profundo desprezo, se voltou para uma funcionária e lhe disse: dá uma folha dessas em que se pedem as licenças para os cães a cada um destes cavalheiros. Virou-nos as costas e seguiu para o gabinete.
Cada um recebeu uma folha de papel azul de 25 linhas. E lá nos recenseámos.
Estive ao serviço da ditadura, na guerra colonial, por um único crime – ser português.
Tinha cumprido o Serviço Militar Obrigatório (SMO), cuja legitimidade ainda defendo, se ao serviço da Pátria e da democracia, e não na ocupação da pátria de outros.
Depois da explosão de afetos na reunião de família, que me esperava em Lisboa, ainda segui para Chaves onde, segundo o jargão militar, seria desmobilizado. A raiva daquela viagem inútil crescia em cada quilómetro percorrido e era canalizada para o regime que continuava a alimentar uma guerra injusta, inútil e criminosa. A azeda troca de palavras com um major, durante a viagem, revelou-se inócua. Não havia medidas de segurança para prorrogar indefinidamente a permanência na tropa, ao contrário do que sucedia em Caxias ou Peniche com as decisões dos juízes fascistas dos Tribunais Plenários.
Regressado à Pátria, retomei a atividade docente, em Lisboa, e, em breve, reencontrei os velhos companheiros do cineclube Imagem e antigos camaradas da tropa a quem a guerra tinha despertado para a política ou radicalizado contra a ditadura. Eu pertencia aos últimos e num dos primeiros dias em que entrei na sala de aula, perante os alunos, retirei a fotografia de Salazar que era ilegal por já não ser primeiro-ministro. Ficou logo escandalizado o Gonçalves, colega que de imediato se queixou ao secretário de zona, o Fernando Pires, aluno de direito que não morria de amores pela ditadura.
Passado algum tempo, já sócio da Cooperativa Devir, militante da campanha a favor do recenseamento eleitoral, morador na Calçada do Carriche, fui com outros oposicionistas à Junta de Freguesia da Ameixoeira (creio que era este o nome) para me recensear.
Fomos atendidos pelo Presidente da Junta que, com um sorriso escarninho, nos elucidou sobre o que era preciso. Claro que íamos preparados. Perguntou-nos, então, se sabíamos escrever, se tínhamos levado caneta e, quando julgávamos que já não tínhamos qualquer obstáculo pela frente, perguntou-nos se tínhamos o papel legal para o requerimento.
E não tínhamos! Perguntámos que tipo de papel devíamos levar, quando voltássemos. Foi então que, num gesto de profundo desprezo, se voltou para uma funcionária e lhe disse: dá uma folha dessas em que se pedem as licenças para os cães a cada um destes cavalheiros. Virou-nos as costas e seguiu para o gabinete.
Cada um recebeu uma folha de papel azul de 25 linhas. E lá nos recenseámos.
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