As cidades são como as pessoas
As cidades são como as pessoas, com identidade própria, feições definidas, dimensões adequadas e sinais particulares. A nossa cidade, a cidade de cada um de nós, habita o imaginário que se cola à memória e nos acompanha nas ausências. É difícil viver sem ela e, pior, viver nela e assistir à erosão da sua fisionomia.
É por isso que nós envelhecemos com a cor desbotada dos prédios, com as ruinas que avançam, quarteirão após quarteirão, com as pequenas casas que ruem para dar lugar a prédios de muitos andares sem vizinhos, meros desconhecidos separados por cimento armado na geometria vazia de afetos.
Há nas cidades a perda de identidade progressiva que as grandes superfícies, primeiro, e a crise, depois, vieram avivar. Num dia encerra a livraria cujo livreiro conhecia o nosso nome e os gostos, no outro o restaurante do bairro onde, à chegada, o empregado gritava o nome do nosso prato favorito; antes fechara a mercearia do Agapito e, logo a seguir, apareceu fechada a retrosaria, para remodelação, na certeza de que não reabrirá.
A barbearia desapareceu quando a idade e o reumático levaram o Sr. Paiva. A loja de ferragens do Alberto das Madeiras, onde os empregados interpretavam os gestos dos clientes e vendiam de tudo, lá está com a pintura a desfazer-se e o telhado a apodrecer.
A loja de hortaliças e fruta, da rua seguinte, surge fechada e, no passeio, sente-se a falta da banca onde os legumes mostravam a frescura e os frutos as cores. Do dono, atencioso e simpático, consta que se lhe formou a filha e regressou à aldeia de origem. Trespassa-se.
Todos os dias, a minha cidade vai morrendo em cada pequeno negócio que lhe moldava a identidade e com ela sinto que também eu vou desaparecendo por entre espaços dantes cheios de vida e agora mausoléus da memória. É a vida, mas por cada família roubada à rotina da vida é um espaço abandonado aos acasos da marginalidade e a ruga que rasga a face da cidade que era minha.
É por isso que nós envelhecemos com a cor desbotada dos prédios, com as ruinas que avançam, quarteirão após quarteirão, com as pequenas casas que ruem para dar lugar a prédios de muitos andares sem vizinhos, meros desconhecidos separados por cimento armado na geometria vazia de afetos.
Há nas cidades a perda de identidade progressiva que as grandes superfícies, primeiro, e a crise, depois, vieram avivar. Num dia encerra a livraria cujo livreiro conhecia o nosso nome e os gostos, no outro o restaurante do bairro onde, à chegada, o empregado gritava o nome do nosso prato favorito; antes fechara a mercearia do Agapito e, logo a seguir, apareceu fechada a retrosaria, para remodelação, na certeza de que não reabrirá.
A barbearia desapareceu quando a idade e o reumático levaram o Sr. Paiva. A loja de ferragens do Alberto das Madeiras, onde os empregados interpretavam os gestos dos clientes e vendiam de tudo, lá está com a pintura a desfazer-se e o telhado a apodrecer.
A loja de hortaliças e fruta, da rua seguinte, surge fechada e, no passeio, sente-se a falta da banca onde os legumes mostravam a frescura e os frutos as cores. Do dono, atencioso e simpático, consta que se lhe formou a filha e regressou à aldeia de origem. Trespassa-se.
Todos os dias, a minha cidade vai morrendo em cada pequeno negócio que lhe moldava a identidade e com ela sinto que também eu vou desaparecendo por entre espaços dantes cheios de vida e agora mausoléus da memória. É a vida, mas por cada família roubada à rotina da vida é um espaço abandonado aos acasos da marginalidade e a ruga que rasga a face da cidade que era minha.
Comentários
Entretanto deixámos de acarinhar o que é nosso,o nosso corpo, de conservar as pedras sólidas, seguras, com história e vendemos a alma aos magos da economia, seduzidos pelo brilho efémero das suas mentiras.
Hoje, as cidades, em passos trôpegos, de pele seca e escalavrada caminham para um destino de auto-destruição. Germinam no seu espaço sementes de retrocesso; as ruas são tomadas por gente estranha que nega os nossos princípios de civilidade e urbanidade.
Até quando?
Resta saber em que cena deste filme participamos, ou se estamos a ser liminarmente afastados da urbe e da urbanidade.