A laicidade do Estado defende a liberdade religiosa e a paz

Enquanto os judeus ortodoxos se agarram à bíblia e à faixa de Gaza, os muçulmanos debitam o Corão e se viram para Meca e os cristãos evangélicos dos EUA ameaçam o Irão e a teoria evolucionista, os conflitos religiosos e o terrorismo regressam à Europa.

A emancipação do Estado face à religião iniciou-se em 1648, após a guerra dos 30 anos, com a Paz da Vestfália e ampliou-se com as leis de separação dos séc. XIX e XX, sendo paradigmática a lei de 1905, em França, que instituiu a laicidade do Estado.

A libertação social e cultural do controle das instituições e símbolos religiosos foi um processo lento e traumático que se afirmou no séc. XIX e conferiu à modernidade ocidental a sua identidade.

A secularização libertou a sociedade do clericalismo e fez emergir direitos, liberdades e garantias individuais que são apanágio da democracia. A autonomia do Estado garantiu a liberdade religiosa, a tolerância e a paz civil.

Não há religiões eternas nem sociedades seculares perpétuas. As três religiões do livro, ou abraâmicas, facilmente se radicalizam. O proselitismo nasce na cabeça do clero e medra no coração dos crentes.

Os devotos crêem na origem divina dos livros sagrados e na verdade literal das páginas vertidas da tradição oral com a crueza das épocas em que foram impressas.

Os fanáticos recusam a separação da Igreja e do Estado, impõem dogmas à sociedade e perseguem os hereges. Odeiam os crentes das outras religiões, os menos fervorosos da sua e os sectores laicos da sociedade.

Em 1979, a vitória do ayatollah Khomeni, no Irão, deu início a um movimento radical de reislamização que contagiou Estados árabes, largas camadas sociais do Médio Oriente e sectores árabes e não árabes de países democráticos.

Por sua vez o judaísmo, numa atitude simétrica, viu os movimentos ultra-ortodoxos ganharem dinamismo, influência e armas, empenhando-se numa luta que tanto visa os palestinianos como os sectores sionistas laicos.

O termo «fundamentalismo» teve origem no protestantismo evangélico norte-americano do início do séc. XX. Exprimiu o proselitismo, recusa da distinção entre o sagrado e o profano, a difusão do deus apocalíptico, cruel, intolerante e avesso à modernidade, saído da exegese bíblica mais reaccionária. Esse radicalismo não parou de expandir-se e já contamina o aparelho de Estado dos EUA.

O catolicismo, desacreditado pela cumplicidade com regimes obsoletos (monarquias absolutas, fascismo, ditaduras várias), debilitou-se na Europa e facilitou a secularização. O autoritarismo e a ortodoxia regressaram com João Paulo II (JP2), que arrumou o concílio Vaticano II e recuperou o Vaticano I e o de Trento.

João Paulo II transformou a Igreja católica num instrumento de luta contra a modernidade, o espírito liberal e a tolerância das modernas democracias. Tem sido particularmente feroz na América latina e autoritária e agressiva nos Estados onde o poder do Vaticano ainda conta, através de movimentos sectários de que Bento XVI foi herdeiro e protector, se é que não esteve na sua génese.

A recente chegada ao poder de líderes políticos que explicitam publicamente a sua fé, em países com fortes tradições democráticas (EUA e Reino Unido), foi um estímulo para os clérigos e um perigo para a laicidade do Estado. Por outro lado constituem um exemplo perverso para as populações saídas de velhas ditaduras (Portugal, Espanha, Polónia, Grécia, Croácia), facilmente disponíveis para outras sujeições.

A interferência da religião no Estado deve ser vista, tal como a intromissão militar, a influência tribal ou as oligarquias - uma forma de despotismo que urge erradicar.

A competição religiosa voltou à Europa. As sotainas regressam. Os pregadores do ódio sobem aos púlpitos. A guerra religiosa é uma questão de tempo a que os Estados laicos têm de negar a oportunidade. Só o aprofundamento da laicidade nos pode valer.

Comentários

Anónimo disse…
É exactamente por isto que estou DESANIMADO com o PS. A RTP insiste em tomar o lugar de uma emissora católica. Agora com transmissões directas (sem serem incluídas no espaço informativo ...)das jornadas da juventude, com o Papa em Colónia. É evidente que a TV e a Rádio públicas estão dirigidas por pessoas próximas (demasiado ?) da Igreja Católica. A RTP é paga pelo Estado. Logo, isto está errado. E o PS devia repôr o equilíbrio ... Parece que não quer. E o Zapatero aqui tão perto !
Até que ponto o Estado Português alguma vez conseguirá desligar-se do poder católico em Portugal, quando este condiciona e influencia resultados eleitorais...?
Anónimo disse…
A RTP é paga pelo Estado???
Não!
A RTP é paga por mim, pelo meu vizinho... por 10 milhões de portugueses.
E são esses que devem pronunciar-se sobre a programação da RTP.
Assim é que é democrático.
(Vá lá, pendurem os aventais e descansem um bocadinho)
Anónimo disse…
Anónimo das 10:32 PM:

Na ditadura todos éramos comunistas (os democratas, claro).

Agora todos os defensores da laicidade do Estado são da Maçonaria.

Pessoalmente pode acusar-me de tudo mas, por favor, não me acuse de ser do PSD.
Geosapiens disse…
Caro amigo...sou aventalado...e não penduro o avental...nunca o pendurarei...uso o mesmo com a honra e com a dignidade que o tomei e que o tenho...defendia antes de o ser e defendo-o agora...sou pela laicidade do estado...e se alguém quiser fazer da região onde moro...deste país (ficção como outros feitos pelo papado numa filosofia de dividir para reinar...que Maquiavel tão bem denunciou)...da Europa um estado teocrático...contará comigo na primeira fila para o combater...
Anónimo disse…
A RTP é do Estado e o Estado é laico. Nada tenho contra os católicos e até respeito muitos os valores cristãos, a maior parte da sua axiologia (embora exogenamente imposta) são principios básicos de viver em sociedade. Os Estados do sec.xxi têm-se de manter equidistantes das religiões.
Será que a guerra do Iraque se poderá chamar de " ix cruzada" conduzida pelo S. Bush Jr.
Anónimo disse…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse…
a repetição não foi por inflação do Ego, foi pura inabilidade informática, desculpem!
Anónimo disse…
Caro Anónimo das 12:42

Apaguei-lhe a repetição para não se sentir mal.
Não tinha importância
Anónimo disse…
O comentário em que se afirma que a RTP não é paga pelo Estado, mas por todos nós, é bem revelador do sentido (e conhecimento)cívivo de muitas figuras que por aí andam. Para muita gente, "nós" nada temos a ver com o Estado ! Como não hei-de estar desanimado ? ...
Anónimo disse…
... cívico
Anónimo disse…
Este artigo foi hoje integralmente publicado no «Diário as Beiras» em «Cartas dos leitores».
Anónimo disse…
Tanta gente a preocupar-se com o Papa na RTP e ninguém a preocupar-se com a forma como é feito o recrutamento dos trabalhadores da RTP...
Viva o Estado-em-que-estamos.
Anónimo disse…
O recrutamento de funcionários para a RTP sempre foi, e continua a ser, um facto muito discutível. E venha PS ou PSD, vai dar tudo ao mesmo. Não esquecer que o PSD esteve no poder ( e dominou a CS estatal ) desde 1979 até 1995 ! E regressou em 2002. Mas neste domínio houve "negócios" vergonhosos a que o PS também aparece ligado. No entanto, é preciso não esquecer as perseguições a quem não era do PSD, nalguns casos com a complacência do PS. O PS-Coimbra, neste particular, devia cobrir a cara de vergonha ...

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