Breves Notas sobre as Eleições Europeias
Parece ser de meridiana evidência que, após as eleições europeias deste fim de semana, a União Europeia não mais será a mesma. Permito-me deixar aqui algumas breves impressões sobre a sua repercussão no plano europeu.
1. Como se antecipava, verificou-se um reforço bastante significativo de partidos políticos e movimentos populistas: alguns mais ou menos inofensivos como o 5 Stelle italiano, os habituais movimentos radicais de esquerda mas, mit brennender Sorge, de movimentos de extrema direita xenófoba (nomeadamente a Frente Nacional francesa, a Aurora Dourada grega, o Partido da Liberdade neerlandês, o Partido da Liberdade austríaco, o Jóbbik húngaro e o Partido Nacional-Democrata neo-nazi alemão). Mesmo nos países escandinavos, historicamente razoáveis e solidários, cujos cidadãos são maioritariamente bem educados e informados, o eleitorado se deixou seduzir pelo autoritarismo, pela xenofobia e pelo egoísmo nacional.
2. O pior erro possível será adoptar a táctica da avestruz e pretender que nada se passou e que, conforme pensam muitas elites, que o eleitorado é infantil. As causas profundas da emergência dos vários populismos e eurofobias são conhecidas e estão bem explicadas neste estudo. E resultam fundamentalmente da frustração de determinadas camadas da população com o autismo e a arrogância das elites sociais e políticas e com a ansiedade adveniente da crise económica e financeira e das profundas mutações sociais, demográficas e tecnológicas inerentes à globalização e à perda de domínio e poder da Europa no mundo. A Europa desruralizou-se, desindustrializou-se, não renovou as suas gerações, perdeu capacidade de inovação, desinvestiu na educação e na investigação científica e, no essencial, a sua economia caminha para a mera exportação de produtos de luxo, de maquinaria com tecnologia cada vez menos inovadora, royalties de patentes cada vez mais datadas, design e serviços financeiros cujas perdas são subsidiadas pelos contribuintes. Findos estão os tempos em que a Europa ancorava a sua prosperidade na exploração dos recursos dos países em vias de desenvolvimento e na exportação de mercadorias da mais alta qualidade. Esta profunda autofagia económica foi gerando desemprego, promoveu o aumento das desigualdades e quebrou os equilíbrios sociais e políticos tradicionais, criando incerteza e ansiedade.
3. Desemprego, incerteza e uma profunda e irreconciliável perda de confiança nas elites políticas tradicionais que, de forma alternada ou em coligação assentando nos arcos de governação democrata-cristão e social-democrata progressivamente foram sacrificando a ideologia à tecnocracia (e à eurocracia autista de Bruxelas) e à teleologia do poder, tendo-se revelado muito permeáveis ao tráfico de interesses e às influências das elites económicas e financeiras. A sua distanciação progressiva dos eleitores e a sua conivência e subserviência com a mão invísivel tornou-se explosiva quando a crise fez abanar o castelo de cartas.
4. O desemprego e o empobrecimento tendem a, como sabem todos os que conhecem a história contemporânea da Europa, favorecer o crescimento da xenofobia e da criminalidade, nomeadamente numa paisagem demográfica profundamente alterada por migrações de massa e por efeito da liberdade de circulação de pessoas e do espaço sem fronteiras proporcionado pelo tratado de Schengen. A partir de agora será impossível excluir do debate público as críticas ao funcionamento da zona Schengen, cuja porosidade é conhecida, às situações de abuso da liberdade de circulação de pessoas e das políticas de imigração. Sob pena de, deteriorando-se mais a situação política, essas liberdades acabarem por desaparecer.
5. Por outro lado, verifica-se um pouco por toda a Europa uma desconfiança muito grande relativamente às instituições europeias e à eurocracia, devido à sua opacidade, ao seu voluntarismo e ao seu excesso de regulação, relacionado muito frequentemente com o horse-trading entre Estados-membros, lóbis e outros dedos e anéis da mão invisível. Há uma convicção muito acentuada entre os cidadãos europeus, porventura não totalmente injustificada, que as instituições da EU e as elites de Bruxelas são opacas, corruptas e autistas. É eloquente a resposta dada pela Comissão e pelo banco Central Europeu à crise da zona euro, resposta que se tem traduzido na maior destruição sine vi armata da economia e da coesão social da maioria da Europa com o objectivo de nacionalizar os riscos privados resultantes de actividades profundamente especulativas do sector financeiro de certos Estados-membros. A UE deverá recentrar-se nos seus objectivos essenciais, recentrar a sua actividade regulatória na smart regulation, tornar-se mais transparente e accountable e adoptar urgentemente políticas (nomeadamente alterando radicalmente a política monetária do BCE, acabando com a obsessão da prioridade de uma taxa de inflação baixa, conforme sugere Krugman) que conduzam ao crescimento económico.
6. O primeiro gesto de seriedade por parte da classe política europeia será, na sequência da nova redacção do Tratado Lisboa e das elevadas expectativas criadas no eleitorado, a consagração de um dos cabeças de lista que se perfilou nas eleições ao nível europeu como Presidente da Comissão Europeia, sendo o candidato natural, atendendo aos resultados das eleições, o Senhor Jean-Claude Juncker. Qualquer outro candidato imposto pelo Conselho, intenção clara e assumida do PM britânico, seria um golpe baixo que, defraudando o eleitorado, lesaria irreversivelmente quaisquer pretensões sérias de democraticidade da UE. Extremamente interessante a catilinária do ex-PM francês Michel Rocard sobre este assunto.
7. Devem ainda ser salientados os excelentes resultados de partidos secessionistas em todos os teatros em que se luta pela autodeterminação: Escócia, Irlanda do Norte, Catalunha, País Basco e Flandres (tendo inclusivamente o partido liberal independentista flamengo N-VA sido o partido mais votado na Bélgica). Doravante será mal avisado a União Europeia continuar a recusar-se a antecipar os aspectos práticos de eventuais secessões no seio de Estados membros e a assumir parti pris assertórico e cominador contra as legítimas aspirações à autodeterminação de alguns dos seus cidadãos.
1. Como se antecipava, verificou-se um reforço bastante significativo de partidos políticos e movimentos populistas: alguns mais ou menos inofensivos como o 5 Stelle italiano, os habituais movimentos radicais de esquerda mas, mit brennender Sorge, de movimentos de extrema direita xenófoba (nomeadamente a Frente Nacional francesa, a Aurora Dourada grega, o Partido da Liberdade neerlandês, o Partido da Liberdade austríaco, o Jóbbik húngaro e o Partido Nacional-Democrata neo-nazi alemão). Mesmo nos países escandinavos, historicamente razoáveis e solidários, cujos cidadãos são maioritariamente bem educados e informados, o eleitorado se deixou seduzir pelo autoritarismo, pela xenofobia e pelo egoísmo nacional.
2. O pior erro possível será adoptar a táctica da avestruz e pretender que nada se passou e que, conforme pensam muitas elites, que o eleitorado é infantil. As causas profundas da emergência dos vários populismos e eurofobias são conhecidas e estão bem explicadas neste estudo. E resultam fundamentalmente da frustração de determinadas camadas da população com o autismo e a arrogância das elites sociais e políticas e com a ansiedade adveniente da crise económica e financeira e das profundas mutações sociais, demográficas e tecnológicas inerentes à globalização e à perda de domínio e poder da Europa no mundo. A Europa desruralizou-se, desindustrializou-se, não renovou as suas gerações, perdeu capacidade de inovação, desinvestiu na educação e na investigação científica e, no essencial, a sua economia caminha para a mera exportação de produtos de luxo, de maquinaria com tecnologia cada vez menos inovadora, royalties de patentes cada vez mais datadas, design e serviços financeiros cujas perdas são subsidiadas pelos contribuintes. Findos estão os tempos em que a Europa ancorava a sua prosperidade na exploração dos recursos dos países em vias de desenvolvimento e na exportação de mercadorias da mais alta qualidade. Esta profunda autofagia económica foi gerando desemprego, promoveu o aumento das desigualdades e quebrou os equilíbrios sociais e políticos tradicionais, criando incerteza e ansiedade.
3. Desemprego, incerteza e uma profunda e irreconciliável perda de confiança nas elites políticas tradicionais que, de forma alternada ou em coligação assentando nos arcos de governação democrata-cristão e social-democrata progressivamente foram sacrificando a ideologia à tecnocracia (e à eurocracia autista de Bruxelas) e à teleologia do poder, tendo-se revelado muito permeáveis ao tráfico de interesses e às influências das elites económicas e financeiras. A sua distanciação progressiva dos eleitores e a sua conivência e subserviência com a mão invísivel tornou-se explosiva quando a crise fez abanar o castelo de cartas.
4. O desemprego e o empobrecimento tendem a, como sabem todos os que conhecem a história contemporânea da Europa, favorecer o crescimento da xenofobia e da criminalidade, nomeadamente numa paisagem demográfica profundamente alterada por migrações de massa e por efeito da liberdade de circulação de pessoas e do espaço sem fronteiras proporcionado pelo tratado de Schengen. A partir de agora será impossível excluir do debate público as críticas ao funcionamento da zona Schengen, cuja porosidade é conhecida, às situações de abuso da liberdade de circulação de pessoas e das políticas de imigração. Sob pena de, deteriorando-se mais a situação política, essas liberdades acabarem por desaparecer.
5. Por outro lado, verifica-se um pouco por toda a Europa uma desconfiança muito grande relativamente às instituições europeias e à eurocracia, devido à sua opacidade, ao seu voluntarismo e ao seu excesso de regulação, relacionado muito frequentemente com o horse-trading entre Estados-membros, lóbis e outros dedos e anéis da mão invisível. Há uma convicção muito acentuada entre os cidadãos europeus, porventura não totalmente injustificada, que as instituições da EU e as elites de Bruxelas são opacas, corruptas e autistas. É eloquente a resposta dada pela Comissão e pelo banco Central Europeu à crise da zona euro, resposta que se tem traduzido na maior destruição sine vi armata da economia e da coesão social da maioria da Europa com o objectivo de nacionalizar os riscos privados resultantes de actividades profundamente especulativas do sector financeiro de certos Estados-membros. A UE deverá recentrar-se nos seus objectivos essenciais, recentrar a sua actividade regulatória na smart regulation, tornar-se mais transparente e accountable e adoptar urgentemente políticas (nomeadamente alterando radicalmente a política monetária do BCE, acabando com a obsessão da prioridade de uma taxa de inflação baixa, conforme sugere Krugman) que conduzam ao crescimento económico.
6. O primeiro gesto de seriedade por parte da classe política europeia será, na sequência da nova redacção do Tratado Lisboa e das elevadas expectativas criadas no eleitorado, a consagração de um dos cabeças de lista que se perfilou nas eleições ao nível europeu como Presidente da Comissão Europeia, sendo o candidato natural, atendendo aos resultados das eleições, o Senhor Jean-Claude Juncker. Qualquer outro candidato imposto pelo Conselho, intenção clara e assumida do PM britânico, seria um golpe baixo que, defraudando o eleitorado, lesaria irreversivelmente quaisquer pretensões sérias de democraticidade da UE. Extremamente interessante a catilinária do ex-PM francês Michel Rocard sobre este assunto.
7. Devem ainda ser salientados os excelentes resultados de partidos secessionistas em todos os teatros em que se luta pela autodeterminação: Escócia, Irlanda do Norte, Catalunha, País Basco e Flandres (tendo inclusivamente o partido liberal independentista flamengo N-VA sido o partido mais votado na Bélgica). Doravante será mal avisado a União Europeia continuar a recusar-se a antecipar os aspectos práticos de eventuais secessões no seio de Estados membros e a assumir parti pris assertórico e cominador contra as legítimas aspirações à autodeterminação de alguns dos seus cidadãos.
Comentários
Mais do que isso!
O desemprego e o empobrecimento vão, pura e simplesmente, dar cabo das ditas 'democracias ocidentais', ou seja, dos regimes democráticos consolidados e disseminados pela Europa (com algumas décalages...) no pós II Guerra Mundial e que tinham como denominador comum o desenvolvimento e o bem-estar.
A xenofobia e o aumento da criminalidade são os epifenómenos visíveis da eminente e cataclísmica derrocada dos regimes democráticos que, apesar da crise do neoliberalismo, se abateu violentamente sobre os modelos social-democratas (neste momento em acelerado processo de decomposição e perda de identidade política).
Os políticos e os partidos onde se movimentam (do centro-direita ao centro-esquerda) não foram capazes de (não souberam) prevenir as brutalidades do mundo pós-industrial, engendrado pela globalização.
O espaço residual do activismo político ficou restrito às franjas (extremas) do espectro partidário. Nestas circunstâncias quem vai aparecer a capitalizar a situação de ruptura é a extrema-direita.
Todavia, Barroso e os seus 'muchachos' em Bruxelas acham que está tudo bem e que as eleições decorreram 'com normalidade e grande civismo' (para usar um cliché dos burocratas alcandorados a dirigentes europeus).
É tempo de gritar para a Europa: Haja tino, porque o 'resto' já se foi!