A Europa e os seus equívocos (de Este e a Leste)…


A crise político-militar na Ucrânia merece um pequeno (e desajeitado) esforço e ser observada em termos de perspectiva (trajecto) histórica(o), isto é, numa dimensão que seja capaz de encaixar algumas pedras do puzzle bem visíveis nas recentes manobras político-militares (cimeira da NATO no País de Gales). 
As perturbações que se vivem na actualidade nesta região do Mundo entroncam-se claramente nas ancestrais vicissitudes dos povos eslavos que, em termos geográficos, ‘ocupam’ mais de metade do território europeu, se considerarmos as suas ramificações centrais, orientais e meridionais. E a questão eslava está bem presente nos últimos acontecimentos europeus, merecendo ser revisitada.
No grupo oriental que inclui os russos, os bielorrussos e os ucranianos existe uma ampla afinidade linguística (o alfabeto cirílico), agregadora, que se estende desde o Báltico (Novgorod) até à Grécia (Macedónia). 
Todavia, em termos de percurso histórico-político e de individualidade nacional, os eslavos, são um vasto e diversificado grupo étnico e são considerados na sua globalidade como povos que - ao longo da História - tiveram destinos e ambições diferentes. 
Os eslavos ocidentais foram dominados pelos alemães (prussianos) e império austro-húngaro, os do Sul pelo império otomano e os do Leste pela velha Rússia dos boiardos e czares. Subjacentes a estes arranjos imperiais com manifestas pretensões políticas hegemónicas, subsidiárias de desequilíbrios e/ou predominâncias do aparelho bélico e infestadas por insaciáveis apetências económicas, deram origem a vários movimentos ‘supra-nacionalistas’ (imperiais) de que são exemplo o ‘pan-germanismo’ e o ‘pan-eslavismo’ que originaram tríplices associações (Tríplice Aliança e Tríplice Entente) e, finalmente, conduziram a uma trágica confrontação em larga escala (I Guerra Mundial).

É particularmente significativo como a ex-Jugoslávia (onde também se inserem os povos eslavos) esteve no centro do tabuleiro das convulsões políticas e militares que ocorreram na primeira metade do século XX. As chamadas ‘Guerras dos Balcãs’, no início do século XX, foram - por assim dizer - disputas que se traduziram na fragmentação (‘balcanização’) das nações remanescentes que tinham estado sob o domínio do império otomano. Todavia, fizeram nascer a ideia (ultra)nacionalista da ‘Grande Sérvia’ (apoiada pela Rússia) contra o já agonizante império austro-húngaro. Nessa incubadora de conflitos que alia megalomanias e fundamentalismos nacionalistas (envolvendo eslovenos do sul) com o declínio de impérios teve uma influência fundamental no desencadear do primeiro grande conflito do século XX cujo desfecho viria a ditar novos equilibrios no Mundo que se mostraram conturbados e precários. A I Guerra Mundial não evitou uma segunda (ainda mais devastadora e mortífera) para relevação de erros e concessões decorrentes do Tratado de Versalhes.

Mas voltando aos povos eslavos do sul, que utilizamos como paradigma, verificamos que a guerra de 14-18 permitiu a criação da Jugoslávia (um Estado de sérvios, croatas e eslovenos). Na realidade, este novo Estado federado que englobava a Sérvia (e as regiões autónomas de Kosovo e Voivodina), Croácia, Montenegro, Eslovénia, Bósnia-Herzegovina e Macedónia, só viria a consolidar-se após o termino da II Guerra Mundial, sob a figura tutelar do presidente Josip Broz Tito (por sinal de ascendência croata/eslovena) que se distinguiu como um heróico ‘partisan’ da resistência anti-nazi nos Balcãs. Esta federação durou cerca de 35 anos e começou a vacilar após à morte de Tito (1980). Viria a explodir, estrondosamente, após o fim da URSS (embora a Jugoslávia durante a guerra fria reivindicasse um estatuto de Estado ‘não-alinhado’) porque, no processo de desintegração do bloco soviético ocorrido no início da década de 90, seria o ‘elo mais fraco’ para a integração no bloco de países aderentes à designada ‘economia social de mercado’ (com muito de mercado e pouco de social). Esta ‘balcanização’ processou-se de modo tão conturbado que, passado quase um quarto de século, é possível observar que um dos novos Estados (Kosovo) ainda se encontra sob administração da ONU.
Este foi o primeiro ajuste de contas com questões decorrentes (e laterais)  atribuíveis ao desmoronar da política de blocos. Quem pretendeu estar 'no meio' (não alinhado) acabou por morrer cedo e entalado.
E tudo isto aconteceu, nos Balcãs, isto é, em pleno espaço do 'velho Mundo', sob a incrível passividade (cumplicidade) de Bruxelas e do Ocidente.

Há pelo meio a dissolução da ex-república da Tchecoslováquia (onde vivem 'eslavos ocidentais') que decorreu no seguimento de uma já longa (anterior à derrocada da URSS) contestação ao controlo político e militar do bloco soviético (a carta de 77) e uma separação (feliz) que decorreu sob um exemplar processo de negociação política, na ausência de confrontos bélicos e capaz de ultrapassar evidentes e notórias razões económicas que estavam subjacentes.

Depois da separação das repúblicas bálticas (Estónia, Letónia e Lituânia) que tinham sido Estados independentes até à II Guerra Mundial e ainda dos territórios transcaucasianos (Georgia, Arménia e Azerbaijão) restavam os países de origem étnica turcomana (euro-asiáticos), isto é, o Cazaquistão,  Quirquizistão, Turquemenistão e Uzbequistão e, finalmente, o Tajisquistão, este de origem persa, para completar o grande banquete à volta do espólio da ex-URSS.

No Cáucaso, para além da questão dos tchetchenos, um povo integrado ‘à força’ na Rússia, mas ainda um foco de intensa instabilidade (um problema ‘não-resolvido’), a Geórgia foi mais uma das crises que, em 2008, Moscovo teve de enfrentar. A ‘guerra dos 5 dias’ abriu um claro confronto entre a Rússia e o dito Ocidente já que se tornaram indisfarçáveis os apetites da NATO sobre este território localizado às portas da Rússia. Deste incidente não foram tiradas as conclusões necessárias e, entre elas, quanto ao facto de a Rússia continuar a ser avaliada e considerada como uma potencia debilitada, a mercê de expoliações meticulosamente arquitectadas em Bruxelas (simultaneamente sede da UE e da NATO).

A Ucrânia é neste chorrilho de ‘arranjos’ politico-militares após o desmembramento da URSS o mais recente (e talvez o mais grave) episódio. Na verdade, o processo de aproximação económica da Ucrânia à UE (ou vice-versa) apresenta-se como um passo para subtrair este País da órbita de influência russa é uma questão de fulcral importância em contradição com o programa do 2º. mandato presidencial de Putin (que não escondia o 'engrandecimento' da Rússia), iniciado em 2012.
Actualmente, a NATO ao imiscuir-se neste conflito, vem denunciar o plano subjacente de ‘alargamento’ da influência ocidental em direcção ao Leste da Europa e à fronteira euro-asiática. Esta amplificação tem em termos estratégicos interpretações diferentes. Bruxelas vê o alargamento de influência como um estabilizador da paz e segurança no Continente (europeu). Moscovo, entende que esta estratégia não favorece a estabilidade e a segurança europeia.
Os últimos 20 anos de política europeia não são, em termos estratégicos e políticos, completamente claros – antes pelo contrário - e a actual situação vivida na Ucrânia demonstra isso mesmo. 
Nem Barroso é um bom estratega ou um impoluto político, nem Putin será um inocente e impreparado ex-agente do KGB, circunscrito à pequenez boiarda e isento de pretensões imperiais. Por outro lado, nem a NATO ao ‘deslocar-se’ para Leste está a aprofundar a ‘parceria atlântica’, nem a oligarquia russa está interessada em Kiev por existirem raizes comuns eslavas.
 
O recente cessar-fogo na Ucrânia vai mostrar exactamente onde estamos – e para aonde vamos - nos frágeis equilíbrios mundiais. 
Todas as previsões são manifestamente prematuras. 

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Um pouco de história e de senso crítico faz bem a todos.

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