A crise, os caciques e a reforma administrativa

Percebe-se mal que, em tempos de grave crise mundial, com especial incidência a nível nacional, se suprimam milhares de postos de trabalho e se destrua o tecido económico, sem reduzir lugares políticos e sinecuras destinadas a dirigentes partidários.

Ignoro agora a necessidade, imperiosa e legal, de criar as cinco regiões administrativas continentais e deter-me nas gorduras que o PCP, BE, PS, PSD e CDS recusam eliminar.

Começo pelos aparelhos administrativos faraónicos dos Açores e Madeira, pelo número de secretários governamentais e deputados regionais, com salários e prerrogativas iguais aos dos seus homólogos da República. Veja-se quantos municípios tem a Madeira, cuja área, população e PIB é semelhante ao concelho de Sintra, e calcule-se o número de presidentes, vereadores, chefes de gabinete, assessores e secretários que, com veículos, motoristas e cartões de crédito, espantam os autóctones com os ornamentos da função.

Lamento que o PCP, o BE e o PS não tenham encorajado o atual Governo no sentido de deixar uma marca positiva como herança e não, apenas, a deceção dos que o elegeram. Das poucas coisas dignas de nota ressalta a redução do número de freguesias que toda a esquerda, por cobardia política e cálculo eleitoral, combateu com veemência.

Há gorduras a cortar. É preferível a  redução do número de municípios e de vereadores ao despedimento de funcionários com custo equivalente. As assembleias municipais integram, por inerência, presidentes da junta, incluindo fiscais e fiscalizáveis, à razão de setenta euros por senha de presença, às vezes a única razão que os leva às reuniões do referido órgão.

Os vencimentos dos autarcas, desde o presidente da câmara aos membros das juntas de freguesia, não devem estar indexados ao do Presidente da República, nem este ganhar menos do que um gestor de empresa pública e, às vezes, bem próximo da remuneração total de um condutor de qualquer membro do Governo ou autarca.

A fusão de concelhos é uma necessidade antiga, urgente no atual aperto financeiro. Não pode o bairrismo, onde vicejam alfobres de caciques, impor-se aos interesses nacionais. Mouzinho da Silveira ficou na História. O atual PM limita-se a aparecer nos jornais, por más razões, e acompanhá-los-á na respetiva reciclagem.

A quantidade de funcionários públicos e autárquicos, de modesta categoria, com viatura distribuída é impressionante e, para descargo de consciência, de vez em quando, acusa-se um deputado por viajar legitimamente em carro da AR para fins políticos, de forma a desviar a atenção de milhares de ilícitos que grassam na base da pirâmide do Estado.

A destreza com que, até há pouco, um presidente abria concurso, com perfil à medida, para veterinário do concelho, onde só havia animais domésticos e aves selvagens, era comovente, tal como para sociólogos, agrónomos, psicólogos, arqueólogos e assistentes sociais, em municípios cuja área e população o não justificavam. Recomendava-se uma investigação ao parentesco com os autarcas e à ligação aos partidos do poder local.

Quando começaram a remunerar os membros das mesas eleitorais, mataram o orgulho cívico da participação cidadã e transformaram-no num pequeno negócio partidário.

Não faltará quem discorde, mas preciso de argumentos fortes para mudar de opinião.

Comentários

e-pá! disse…
A pior face do caciquismo poderá estar para vir.

Destruído pela presente crise o ciclo da utilização dos recursos públicos (estatais e municipais) para satisfazer ambições pessoais ou de clientelas (cabem aqui todas as variantes), i. e., os 'poderes locais' vítimas de brutal diminuição de receitas, da obrigatoriedade de maior rigor orçamental e de dificuldades no acesso ao crédito, correm o real perigo de encetar mais um recuo civilizacional (a acompanhar o do Estado).

O caciquismo - aspecto mais obsoleto e visível dos municípios - que floresceu durante o liberalismo no séc.XIX corre o risco de regressar a práticas e modelos que podemos classificar como 'feudais'.
Poderá estar a nascer (florescer) uma oligarquia mesquinha, ultraconservadora e centralizadora completamente dependente do poder Central (neste caso do Governo) e totalmente conubiada com ele. Aí - nessa 'nova' praia - proliferarão todos os tipos de abusos, corruptelas e assentará arraiais o despotismo.
Nos preparativos das próximas eleições autárquicas époissível observar os primeiros sinais desta terrível involução.
E o problema central não está no quantitativo de autarquias embora a actual representação municipal pelo País deva ser adaptada à geografia humana actual (política, económica e cultural) abandonando padrões senhoriais ou de morgadios.
Os tempos de miséria e escravidão que se aproximam de nós vindos da Europa que tanto nos deslumbrou no passado, devem reforçar a vigilância popular de desvios dos padrões democráticos (diria 'republicanos') caso contrário o futuro é a servidão. Para todos os 'poderes': local regional e central.
e-pá! disse…
Adenda:

A Europa que nos deslumbrou no passado é a mesma que no séc. XVI e XVII nos 'empurrou' para o Atlântico e para o Oriente...
Só regressamos ao 'lar europeu' mais tarde com o ouro do Brasil e as especiarias da Índia. Hoje, afastados de qualquer fonte de riqueza, olhamos ansiosos e temerosos para o Norte da Europa. São os 'ciclos históricos'...

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