PORTUGAL – ao fim de 2 anos: o arranque da ‘reforma neoliberal’…
“O Governo aprovou esta noite diplomas relativos à função pública, nomeadamente a aplicação da mobilidade especial, rescisões laborais e o alargamento de horário de trabalho de 35 para 40 horas semanais, segundo fonte da Presidência do Conselho de Ministros”. link
Na desvairada caminhada para o abismo – encetada por este Governo – arriscamo-nos a ser um ‘ex-país europeu’. Isto é, estamos a eliminar um vasto acerco civilizacional duramente conquistado na sua concretização ‘ocupou’ os europeus durante séculos. O recuo é tão descontrolado, devastador e retrógrado que poderá estar a ser tentado o inimaginável: abjurar todas as benesses que a Idade Contemporânea nos trouxe! Estamos a ser empurrados para gravitarmos à volta de novas oligarquias. Arrumada no caixote do lixo da história a nobreza decadente surge no horizonte o florescer de vários ‘impérios financeiros’, com tentacular controlo a globalização económica e financeira de que, por exemplo, a ‘família Goldman-Sachs’ será o paradigma mais conhecido e divulgado.
Desde Maquiavel – para não recuarmos às cidades-estados - que os Países cuidam do ‘seu’ Estado porque este corporiza e representa a íntima conexão entre o povo e o ‘seu’ território. Sem ter necessidade de recorrer à teoria marxista não é difícil divisar que o Estado é o tecto onde se abriga a governação - instrumento de gestão directa da sociedade - e é nele que reside o poder do exercício de diferentes papéis coercivos (mesmo que protectores) sobre os cidadãos. Outros poderes albergam-se no seio do Estado (como o Legislativo e Judicial) e uma amálgama de instituições e órgãos definem conjuntamente a Soberania que se externaliza (projecta-se para além do território nacional).
O Estado tem desempenhado múltiplas funções – conforme os regime políticos – e a sua acção (presença) manifesta-se na regulação dos sistemas financeiros e económicos, na provisão de bens públicos, na redistribuição da riqueza. A Administração Pública – subsidiária das múltiplas funções do Estado - é assim o garante da intervenção pública no largo campo social nomeadamente nos sectores da Saúde, Educação e Segurança Social onde desempenha variados ‘papéis’ também decorrentes das matrizes ideológicas que informam o poder em exercício. O Estado ocupa deste modo a centralidade devendo ser o núcleo da iniciativa, da moderação e regulação financeira, económica, social e política.
O neoliberalismo chegou e sempre que tem uma oportunidade questiona o papel do Estado essencialmente para ‘libertar-se’ da situação em que a política pode e deve interferir na economia e no sistema financeiro. Para isso tenta impor o Estado-mínimo ou o Estado residual. Por isso cavalga aquela concepção a que chama economia de mercado, tout court. Uma economia estreitamente dependente do sistema financeiro internacional de acordo com a estratégia 'global' desenhada no “consenso de Washington” link
As questões sociais nos seus mais amplos e determinantes espectros são insidiosamente secundarizadas. As políticas sociais são sistematicamente observadas e condicionadas sob o prisma de sustentabilidade financeira. Nenhum outro valor (ou valores) tem terreno ou espaço para inserir-se no campo social. O que é 'trabalhado' e apresentado como sendo 'insustentável' é para eliminar.
Na última quinta-feira, depois de um dia de infrutíferas ‘negociações’ link, o Governo português resolveu avançar a todo o vapor no 'desmantelamento' do aparelho de Estado. Reuniu de emergência (mais) um conselho de ministros extraordinário a fim de iniciar a dita 'Reforma do Estado'. E o primeiro de múltiplos alvos foi o sector educativo onde os conflitos estão – neste particular momento – ‘acesos’ link.
O que se passou na quinta-feira foi uma 'tentativa experimental’ visando a inserção (transferência) do aparelho de Estado no dito mercado. A partir daqui os alunos - que estão a ser utilizados como arma de arremesso contra a greve dos professores link - passarão a ‘consumidores do ensino’ e os professores meros técnicos integradores destes no mercado de trabalho.
Será também por aqui que passará a linha de fractura no seio do XIX Governo Constitucional. Esta é totalmente subsidiária do conceito e papel dos mercados e não propriamente da dimensão e características do aparelho de Estado. Defrontam-se com todas as consequências dois conceitos e duas vias de actuação política com reflexos na governação: a economia livre de mercado (Coelho e Gaspar ou vice-versa) e a economia social de mercado (Portas).
No futuro - se lhes for permitido - assistiremos às cenas dos próximos capítulos de acordo com um guião neoliberal travestido sob o manto de ‘reformas estruturais’, da ‘sanidade’ das contas públicas, da ‘exaltação’ de novos paradigmas (nunca suficientemente explícitos para não serem questionados), da privatização de bens públicos (incluindo os rentáveis) e da submissão de toda a estratégia de desenvolvimento aos interesses imediatos do capital financeiro distantes (ou contraditórios) do 'interesse público'. É exactamente para este ‘buraco’ que estamos a ser empurrados. Esta a 2ª. fase do 'ajustamento'. A mais gravosa porque mais difícil de reverter. Urge, portanto, denunciar e travar a deriva para tentar evitar o 'soberano desastre'. E o meio - democrático - menos danoso será a consulta popular.
Esta a verdadeira emergência nacional. De facto, dois anos após a chegada ao Governo a Direita tenta - ainda que embrulhada em confusões e nuances gradativas - uma 'reforma neoliberal' do Estado, à revelia de qualquer mandato popular, já que se trata de uma 'reforma de regime'.
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