BRASIL: manifestações, transportes & futebol...

As manifestações que nos últimos dias têm assolado o Brasil, têm intrincadas e complexas motivações, mas não será ousado enquadrá-la na gritante assimetria que alguns dados divulgados por diversos meios de comunicação e organizações internacionais salientam: trata-se da 7ª. (sexta?) maior economia do mundo em manifesto contraste com um PIB nominal per capita colocado no 54º lugar (à volta dos 12.789 dólares link). Para termos uma noção mais real da amplitude destes desequilíbrios basta, por exemplo, constatar que no capítulo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ocupa a 84ª. posição no panorama mundial (global).

Ao olharmos os dados publicados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) link apercebermo-nos de uma realidade muito distante da orgulhosa euforia gerada à volta de um espectacular desenvolvimento económico.

Esta iníqua situação encontra-se inserida num vasto contexto económico e social em que se verificaram, nos últimos anos, alterações graduais em alguns indicadores (qualidade de vida, níveis de bem-estar, aplicação de direitos humanos e o acesso a serviços, bens e oportunidades) mas não existiram proporcionalmente - e em relação com o crescimento económico - ganhos na redistribuição da riqueza. Isto é, um conjunto de gritantes desigualdades prevalece verificando-se que uma minoria de brasileiros está a desfrutar de altos salários e a imensa maioria dos cidadãos continua com baixas retribuições. Para uma população de cerca de 190 milhões de pessoas (censo de 2010) verifica-se por exemplo que cerca de 50 milhões recebem abaixo do salário mínimo (cerca de 300 dólares em 2013) e outros tantos não auferem qualquer rendimento, constituindo uma gigantesca e perturbante ‘bolsa de pobreza’.

Acresce ainda que esta gigantesca Confederação sofre na sua extensa vertente interna de graves assimetrias regionais (estatais) que vêm perturbar - ainda mais - as anomalias de redistribuição dos rendimentos e verifica-se, por exemplo, que no Nordeste 51% da população vive com menos de metade do salário mínimo (pouco mais de 100 €/mês) e que, por exemplo, no Sudeste essa nefasta incidência atinge os 18%.

Em linhas gerais é este o ‘caldo de cultura’ da actual sociedade brasileira facto que per si é gerador de enormes tensões políticas e sociais. O crescimento económico não eliminou a pobreza.

O principal eixo de actuação pública perante a realidade mostrada por este indicadores sociais foi a conhecida e inovadora Bolsa Família promovida pelos governos do PT (Lula da Silva e Dilma Roussef). Os três eixos fundamentais deste Plano – a redistribuição de riqueza, a acessibilidade a serviços sociais básicos (saúde, educação e segurança social) e a reintegração social dos excluídos pela pobreza – embora tenham envolvido cerca de 50 milhões de brasileiros deixou de fora muita gente (‘necessitada’). Mas o principal défice deste programa foi a incapacidade de reintegração social dos brasileiros atingidos pela pobreza que não tem funcionado exactamente porque falharam os mecanismos e as políticas relativas à promoção de uma justa redistribuição da riqueza. E a realidade social é que um vastíssimo contingente de brasileiros continua a viver à margem do crescimento económico estando literalmente incapacitado (bloqueado) para colher os esperados benefícios desta situação. E embora ninguém conteste as virtudes do crescimento económico o que hoje no Brasil está a ser posto em causa são as políticas redistributivas à volta do desenvolvimento.

É obvio que o elevado crescimento económico que tornou o Brasil num dos Países ‘emergentes’ (os BRIC) activou os ‘elevadores sociais’ e de arrasto colocou um volume considerável de brasileiros no que se convencionou chamar ‘classe média’ (com todos os seus gradientes). Cidadãos que na última década tiveram acesso à Educação hoje exibem um outro perfil sócio-cultural. Já não basta - para estes brasileiros ‘emergentes’ - o samba, o carnaval e o futebol. Só que muito embora tenham ascendido na escala social sentem-se ‘encurralados’ a juzante pela enorme bolsa de pobreza que se releva estática (não conseguindo apanhar o comboio do crescimento económico) e a montante pela ‘velha’ oligarquia instalada (muitas vezes à custa de privilégios, favorecimento e corrupção) que mantém os seus feudos inexpugnáveis.
Este ‘ensanduichamento’ gera instabilidade social, infunde receios e está a alimentar manifestações por todo o lado. Paralelamente existe um profundo desconforto político e uma galopante desacreditação do sistema partidário à custa de inúmeros e sujos 'jogos' . É que se algo corre mal – e o crescimento está a abrandar e a inflação a galopar – o caminho (todos sentem 'isso') é o regresso à área vermelha da pobreza. Rota que não é aceite - e bem - pelos 'emergentes'.

Nesse sentido a rua está, neste momento, a ser usada para consolidar as posições adquiridas e dar estabilidade (sustentabilidade) a uma estratificação social que tenha um carácter sólido e duradouro. Os novos integrantes da ‘classe média’ exigem, portanto, o desenvolvimento de um modelo social onde as prestações sociais (Educação, Saúde, Segurança Social, Transportes, Habitação, etc.) deverão ser asseguradas pelos Governos (quaisquer que sejam) e deste modo conseguir libertar energias e meios para permanecerem no escalão já atingido, sem receios de voltar a mergulhar na estagnada  e vasta 'bolsa de pobreza'. Este é o modo e o instrumento disponível de assegurar alguma estabilidade para as regalias conquistadas. Para estes 'novos' protagonistas, futebol, ... bem,  já demos!

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