GUARDA: Alembranças - Uma excelente exposição

A exposição estará patente de 21 de Abril a 27 de Maio de 2007.

Terça a Sexta, das 17h às 19h e das 21h às 23h.

Sabádo das 14h às 19h e das 21h às 23h.

Domingo das 14h às 19h.

Teatro Municipal da Guarda - R. Batalha Reis, nº 12 - 6300 – 668 Guarda (Portugal)Tel: 271 205 240.


Texto escrito para o catálogo da exposição

Quando o espantalho lusitano tinha garras e esgrimia a espada, usava botifarras e pisava o povo, dispunha de bufos, prendia, torturava e matava, Jaime do Couto Ferreira desenhava os monstros que povoavam os nossos medos.

Os desenhos de Couto Ferreira são imprescindíveis para exumar a memória de um tempo em que a Pátria era a prisão guardada por canalhas que a confiscaram.

De 1971 a 1974, censurados umas vezes, despercebidos outras, ficaram os primeiros no espólio do autor, passaram os últimos pelos interstícios da ignorância dos censores através de vários números da revista Vértice ou irromperam em vinhetas como brasas nas chagas do poder que apodrecia.

Nos desenhos do artista não se vislumbra a penitência de um cúmplice, que nunca foi, há o exorcismo expiatório das culpas de um povo – o nosso –, e a exibição dos monstros no pelourinho da opinião pública. Então, na clandestinidade, agora, às escâncaras; outrora, para os que ousavam resistir, hoje, para os incautos que julgam perpétua a liberdade e eterna a democracia.

Na galeria dos horrores passam, pelo traço iconoclasta, bufos, clérigos e clérigos bufos, os crápulas do poder e o poder dos crápulas, numa colecção de monstros que fazem parte do bestiário dos nossos medos e são hoje a memória sofrida e guardada dos tempos em que Portugal pariu beatos, tímidos e idiotas e gerou a revolta e a libertação.
Do esgoto a céu aberto em que a ditadura transformou Portugal saem funâmbulos da cruz, acrobatas da repressão e abstrusos parasitas do país dos medos.

A guerra ainda consumia a juventude, a honra e a decência. A PIDE ainda espreitava a correspondência, violava a intimidade e torturava. Das celas dos presídios saíam gritos reprimidos enquanto o Jaime fazia a catarse da raiva e a denúncia do terror em desenhos onde o negro acentuava a revolta e a escuridão dos tempos.

O desespero do intelectual, na agonia do algoz que ulula e crocita na impotência do ocaso, é a premonição da alvorada que virá. Do negrume dos desenhos é a aurora que desponta, a paz saída da raiva, o amor nascido do humor negro que exorciza a repressão.

O seu traço registou os carrascos, brutos e anafados, e a guarda pretoriana que esmagou e aniquilou a resistência. Lá estão, no estertor fascista, os burgueses, os bufos e a cáfila de patifes que espiava, oprimia e devastava um país onde os cravos haviam de florir, mas eles não sabiam.

A escola, a igreja, a sociedade e a polícia eram o braço armado do capital, débil na dimensão, mas pesado na repressão.

A tudo isso, ao mundo de horrores da sua geração, minha e dele, Couto Ferreira não assistiu conformado ou em silêncio. Enfrentou a tinta-da-china, com gritos de raiva, os tempos que o tempo já se encarrega de branquear enquanto, aos desenhos de então, incumbe, hoje, avivar memórias e denunciar cumplicidades.

Os gritos de raiva, de 1971 a 1974, aqui estão, vivos e ruidosos, para servirem de vacina a novos apocalipses, um bestiário que é preciso reconhecer para prevenir, uma galeria de monstros malditos que podem espreitar de novo.

À visão crítica do artista não escapou a própria universidade que o havia de fazer catedrático, ela própria alfobre de reprodução de valores e instrumento de domesticação de consciências.

Jaime Couto Ferreira cumpriu, como artista e como homem, a missão de expor, quando era perigoso, os algozes do seu tempo. Aqui ficam, para gáudio dos homens e mulheres de hoje, aprisionados no traço caricatural, triturados pela inventiva de um juiz impiedoso e lúcido.

Carlos Barroco Esperança, sobre os anos de 1971/74

Comentários

Anónimo disse…
Há no texto do catálogo duas coisas que tomo a liberdade de anotar.
Algumas repetições que o atrapalham. Nem sempre a repetição é uma figura útil na retórica. Às vezes revela pressa.
E uma 'radicalidade' de discurso que desfigura o próprio discurso. Parasita-o e rouba-lhe força. Lê-se, e tem-se a tentação de o não levar a sério. O bom texto sugere sempre mais e afirma menos.
Aparte isso, as Alembranças são sempre indispensáveis. As boas e as más.
Anónimo disse…
Jaime Couto Ferreira é membro da comissão executiva do Centro de Estudos Ibéricos. Curiosamente este centro de estudos é co-organizador da sua exposição em conjunto com a camara da Guarda.
E isto tudo à pala da Universidade de Coimbra (do qual o centro faz parte conjuntamente com a Universidade de Salamanca) que é publica.
O homem é sem duvida modesto e muito ético e nada promiscuo. se calhar ainda vende umas ''obras de arte'' para o centro de estudos. Com um cheque assinado pelo proprio. Tudo normalzinho sem problema nenhum.
Anónimo disse…
anónimo:

Jaime Couto Ferreira nunca vendeu um quadro. A calúnia anónima está à altura de quem a profere.
Anónimo disse…
Por opção? ou porque nunco lho quiseram comprar?
Anónimo disse…
Por opção.

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