COSTA DO MARFIM: 8 anos de guerras civis cíclicas…
Actores representam cena alusiva à escravatura
Laurent Gbagdo é [mais] um ditador africano que – ao fim de alguns anos de tirania - caí em desgraça.
Está, novamente metido num golpe militar. Diferente. Um golpe que não assenta no presente – que é ele próprio – mas sim no seu futuro.
O líder da Oposição Ouattara venceu a eleição presidencial. Gbagdo quer “apagar” essa vitória e permanecer no poder.
Tentou argumentar com o inverosímil: acusa a Oposição de manipular os resultados, como se fosse possível tal facto. São sempre os usurários do poder que têm à mão todos os instrumentos de fraude. Em África esta situação, para além de insólita, simbolizava o virar o feitiço contra o feiticeiro.
O drama de Ouattara começa antes. Em 1994, o então presidente, Henry Konan Bédié, decidiu excluir Ouattara de concorrer na eleição presidencial, através de um expediente aprovado no Parlamento determinando que quaisquer cidadãos cujo pai ou mãe não fossem naturais da Costa do Marfim ficavam impedidos de concorrer. Ouattara nascido no Norte do território, muçulmano, é filho de uma emigrante de Burkina Faso. Deste modo, Ouattara foi impedido de concorrer às eleições de 1995.
Há quase uma década que a Costa do Marfim está envolvida numa guerra civil e as questões são sobejamente conhecidas em África: adiamento de eleições, ausência de democracia, sectarismo e conflitos étnicos-religiosos. Aliás, problemas comuns a grande número de países africanos.
Em 1999, após conturbadas eleições, o golpista Robert Guei não conseguiu consolidar a sua posição e Gbagdo, sob a pressão popular, assumiu o poder.
A situação actual parece tirada a papel químico da vivida em 2000. Só que nessa data, Gbagdo [vencedor das eleições] desfrutava do apoio popular e escorraçou do poder o putschista Guei, derrotado eleitoralmente, mas renitente em abandonar o poder.
O exercício presidencial de Gbagdo não foi pacífico, nem tranquilo. A marginalização política do Norte muçulmano, economicamente mais desenvolvido, em contraste com o Sul, cristão, mais pobre, conduziu a uma guerra civil em 2002-2003. O País fracturou-se e ficou sob o precário domínio, primeiro de Bédié, depois de Gbabgo, i. e., dos "homens do Sul".
A realização de eleições foi sendo sucessivamente adiada sob o pretexto da instabilidade política reinante.
As actuais eleições têm assustadoras semelhanças com o percurso do passado recente. A situação política da Costa do Marfim gravitou, durante estes últimos anos, à volta de Gbabdgo, que não dispunha de legitimidade democrática. Esse facto levou a adiamentos sucessivos do acto eleitoral e, quando não foi possível protelar mais, conduziu Gbabdgo à derrota.
É quando, depois do anuncio dos resultados, começam as alegações de fraude eleitoral [praticadas pela Oposição].
Arranca, então, um novo “golpe”, dirigido por Gbabdgo, sustentado por um forte apoio das Forças Armadas.
As sequelas de uma longa guerra civil [2002-2007], entrecortadas por curtos períodos de acalmia, pela intervenção da França [2004] e pelo envio de uma força de manutenção de Paz em 2006 [ONUCI ] estão longe de estarem resolvidas, embora os combates tenham esvanecido desde 2004. O Norte do País continua marginalizado, apesar da Costa do Marfim ter sido o primeiro exportador mundial de cacau, nos tempos de Houphouët-Boigny, “pai” da independência que, gerindo um regime ditatorial, conseguiu controlar as disputas étnico-religiosas e manter ilusórios resquícios de unidade nacional.
Gbagdo assumiu o poder em nome da democracia mas governou como um ditador. Estabeleceu um acordo de paz com forças rebeldes do Norte [“Forces Nouvelles”], com firmes apoios no Burkina Faso, mas não conseguiu desmantelá-las ou integrá-las.
Finalmente, quando os rebeldes muçulmanos perdem algum protagonismo e a guerrilha enfraquece, sob ilusórios planos de Paz, Gbagbo avança para eleições [que faziam parte do acordo de Paz de Ouadadougou - 2007] convencido da vitória. Aceita, então, a candidatura do economista Ouattara, com fortes raízes no Norte do País.
Face ao desaire eleitoral pretende continuar no poder e fazer tábua rasa do acto eleitoral. Mas esta pretensão, que não foi bem recebida pela UE [onde se integra a França ex-potência colonizadora], pela União Africana e pela comunidade internacional [ONU], só poderá levar ao aprofundar das dissidências internas. A não-aceitação dos resultados eleitorais terá, inevitavelmente, como consequência o “rasgar” das tréguas de 2007, entre Norte e Sul, assinadas em Burkina Faso.
Trata-se, na verdade, de mais um País africano à beira do colapso. Uma “nova” guerra civil – ou melhor a continuação da guerra civil iniciada em 2002 e nunca resolvida - é, infelizmente, o desfecho mais provável.
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