A ‘[des]Ordem’…
Ainda a propósito dessa cerimónia (abertura solene do ano judicial), hoje, um dos protagonistas desse evento, o Dr. Marinho Pinto link, voltou à ribalta para pronunciar-se e tentar colocar na agenda política um assunto que reputo de importante. A nova lei das ordens profissionais que, no entender do Bastonário da Ordem dos Advogados, ‘governamentaliza’ e ‘judicializa’ essas Associações. link
De facto, as Ordens Profissionais têm a sua génese no liberalismo, crescem com a necessidade de acabar com corporações medievais e implantam-se para regular as 'profissões liberais' (eram assim que se chamavam).
Embora formalmente só apareçam com essa designação (Ordens), imediatamente, após a Ditadura Militar (1926), precursora do Estado Novo, as até então Associações Profissionais datam do início do século XIX e, tinham como missão representar e defender os profissionais 'livres', bem como, funções de formação, regulação do acesso e normalização do exercício profissional e, ainda, competências disciplinares e deontológicas.
O seu percurso no Estado Novo foi muito acidentado, nomeadamente, na sua fase inicial onde a ‘governamentalização’ foi tentada (p. exº: os corpos gerentes eleitos tinham de ser ratificados pela tutela) facto que, mesmo em circunstâncias de ditadura, só vigorou - em relação à 1ª. Ordem reconhecida (a dos Advogados) – durante 4 meses (de Junho a Setembro de 1926). Posteriormente, surgiriam as Ordens dos Engenheiros e dos Médicos e, já no final do salazarismo, a dos Farmacêuticos.
As Ordens viveram no tempo da ditadura uma longa e picaresca história recheada de conflitos, acordos e desacordos, nomeadamente, no seio da Câmara Corporativa, um orgão fulcral da estrutura 'orgânica' do salazarismo. Este sinuoso e longo percurso não cabe nesta pequena nota, mas está recheado de inúmeras 'lutas pela desgovernamentalização'.
Concluindo: As Ordens são, de facto, organizações corporativas como aliás existem outras sem terem tal denominação e com organização muito mais opaca: os lobbys, os cartéis, as 'fundações', etc.
Todavia, as Ordens, apesar dos seus condicionalismos ‘genéticos’, são instituições visíveis, independentes do poder político mas sob o escrutínio público o que não sucede com muitas outras organizações acarinhadas pelos governantes.
Enfim, as Ordens são, neste momento, um importante alvo dos actuais governantes porque, apesar dos seus condicionalismos internos [que podem e devem ser melhorados], são tidas na ideologia neoliberal como factor de distorção do ‘livre’ funcionamento dos mercados, nomeadamente do de trabalho, quando se olha para estas organizações com um ‘espírito friedmaniano’.
É essa, na verdade, a justificação real e profunda para a pressa de fazer uma ‘nova lei das ordens profissionais’. Não é nenhum avanço, nem distanciamento em relação aos ‘interesses instalados’. Estes continuarão a existir, a conluiar-se e a actuar de modo subterrâneo utilizando metologias pouco 'ordeiras'.
A troca - é disso que se trata - será , portanto, entre as actuais Ordens (reformáveis com certeza mas preservando a sua independência jurídica e governamental) e os insondáveis e opacos interesses dos mercados, sem nenhuma ordem mas, na prática, regulados pelos ‘accounts’ dos bancos, transnacionais, holdings, etc.
Marinho Pinto, faz bem em levantar o problema e a lançar a ameaça da sua demissão perante uma lei iníqua, desastrada e não suficientemente discutida na sociedade civil. Intrigante é o ensurdecedor silêncio de outros bastonários, perante mais uma ‘reforma’ que não foi suficientemente preparada e pensada.
Comme d'habitude uma terrível desordem para meter na putativa ordem as 'transviadas' Ordens...
Comentários
Acabo de publicar um post que saiu depois deste, apesar de, quando comecei a tratar de o "postar", ainda cá não estar o seu nem o anterior do Carlos Esperança.
Concordo inteiramente consigo - e, claro, com o Marinho.