As últimas horas de um papa sobrevivente


Algures, em Castel Gandolfo, já sem os sapatinhos vermelhos, sem tiara nem camauro, mantem ainda a vida e o pseudónimo de Bento XVI, Joseph Ratzinger, um celibatário a quem alguém se encarregará de fechar hoje a conta do twitter.

Dentro de uma hora perde a infalibilidade e o alvará para criar santos e cardeais e no dedo nu vai sentir a falta do anel que estendia aos ósculos dos beatos e dos que agora se guerreiam pela sua sucessão.

O papamóvel e a guarda suíça deixaram de pertencer-lhe e quando regressar à boleia ao Vaticano vai para a clausura do convento sem crentes a quem dar a bênção nem poderes para confirmar milagres. É a vida. Preferiu ser papa emérito vivo do que defunto santo.

A esta hora andam os teólogos – cientistas de uma ciência sem método nem objeto –, a tentar justificar como se perde a infalibilidade e o alvará perpétuo de Papa porque, de ciência certa, se sabe que, depois de Avinhão, nunca mais houve papas excomungados nem clonados. Deus não se deixa representar por mais de um figurante.

Entre lágrimas dos que foram habituados a acreditar desde o berço e a estupefação dos incréus, na sombra manobram a Opus Dei, os Legionários de Cristo, a Fraternidade de Comunhão e Libertação e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), esta ainda na clandestinidade. A extrema-direita não dorme. Isso é para Deus que, depois de ter feito o Mundo – como acreditam os devotos –, nunca mais deu sinal de vida.

A Quaresma é longa e Cristo – estrela da Companhia – pode esquecer-se de ressuscitar.

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