DE NOVO A ORDEM DOS ADVOGADOS (COMENTÁRIO)

Só agora me é possível pronunciar-me sobre o post de Rui Cascão [ link] com o mesmo título deste. Trata-se, como habitualmente, de uma peça muito bem escrita e fundamentada; porém, discordo dela em quase tudo.

1. Não conheço os sistemas judiciais sueco e finlandês, mas, a ser como diz Rui Cascão, não tenho dúvidas em afirmar que, no âmbito da Europa e creio que também dos países da América, se trata de sistemas ultraminoritários, para não dizer exóticos.
Parece-me aberrante que, num Estado de Direito, qualquer “curioso” possa, sem ser formado em direito, exercer a consulta jurídica e patrocinar causas em Tribunal. Para que servem então as Faculdades de Direito? E que garantia se pode ter de que esse indivíduo tem um mínimo de conhecimento das normas jurídicas com que tem de lidar? É como se um cidadão pudesse exercer medicina sem ser médico ou construir pontes sem ser engenheiro. É como se voltássemos ao tempo dos barbeiros-cirurgiões!
Por outro lado, perante um juiz licenciado em Direito e uma parte contrária representada por advogado, o cidadão representado pelo tal “habilidoso” ficaria certamente em desvantagem.
Por outro lado ainda, e como já disse no anterior artigo, a nossa justiça funciona de forma dialética. Num processo-crime, por exemplo, o juiz só fica habilitado a julgar bem se tiver havido uma boa acusação e uma boa defesa.
Se o juiz e o procurador têm de ser licenciados em direito e de ter feito um exigente estágio, porque não há de o defensor ter as mesmas habilitações?
Não há nisto qualquer “paternalismo”, mas um normalíssimo recurso a um profissional qualificado. Se quando se está doente se recorre a um médico, porque não há de recorrer-se a um advogado quando se precisa de apoio jurídico?

2. Em Portugal a função dos advogados está constitucionalmente consagrada. Na parte da Constituição relativa ao poder judicial, o artigo 208, epigrafado de “Patrocínio forense”, preceitua que “A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.”
Estas “imunidades” não são “privilégios” e não são estabelecidas no interesse dos próprios advogados mas sim no dos seus constituintes. Por exemplo: não pode ser apreendida a correspondência entre advogado e cliente (exceto se respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o próprio advogado tenha sido constituído arguido), porque o cliente tem o direito de se abrir com o advogado livremente e sem qualquer receio; pela mesma razão, têm os advogados o direito de comunicar, pessoal e reservadamente, com os seus constituintes presos (mais corretamente se diria que os presos têm o direito de comunicar pessoal e reservadamente com o seu advogado, pois se trata manifestamente de um direito instituído em benefício do constituinte e não do advogado).

3. O “formalismo judiciário”, que tanto desagrada a tanta gente – a começar por alguns juízes – é, no essencial, uma defesa para os cidadãos a contas com a Justiça. É que, no nosso sistema judiciário – como em quase todos – quem tem, em geral, a condução do processo é o juiz. Mas este – e muito bem – não tem um poder discricionário ou inquisitorial; e não o tem justamente porque a lei processual impõe certas formalidades por cima das quais o juiz não pode passar e que portanto limitam o seu poder, deixando margem ao exercício dos direitos dos cidadãos perante o tribunal.

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No seu artigo Rui Cascão levantou ainda outras importantes questões. Mas essas terão de ficar para outro post.

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