Vaticano: reflexões soltas…
O clérigo Joseph Ratzinger, a caminho do estatuto de resignatário, dá mostras de ter perdido a guerra pelo poder temporal (para usar uma expressão da teocracia) nos labirínticos meandros do enclave do Vaticano.
Ontem, nas cerimónias religiosas do início da celebração da ‘Quaresma’ – um período de quarentena e de reflexão para a Páscoa - a que ainda presidiu, na qualidade de ‘chefe’ hierárquico da ICAR, afirmou: “O rosto da Igreja é por vezes marcado pelos pecados contra a unidade da Igreja e divisões no clero". link.
Duas reflexões:
1. - A simbólica época escolhida para resignar parece obedecer a um desígnio (e cansaço) pessoal – que tem sido humanamente exaltado à exaustão – mas, antes disso, terá a ver com a tradicional representatividade alegórica que o cristianismo tanto utiliza. Fazendo-a coincidir com a Páscoa, ela (a resignação) evoca um percurso de ‘libertação’ tanto como é – historicamente - possível entroncar esta época celebrativa religiosa com um Êxodo (o que simbolicamente representa a ‘travessia do deserto’).
2. - O arrazoado de insinuações veladamente utilizadas pelo demissionário nesta sua homilia pós-renúncia como ‘divisões do clero’, ‘unidade da Igreja’, ‘fim da hipocrisia’, ‘rivalidades’ não é inocente, fazendo parte da esotérica linguagem 'encriptada' da ICAR. Mostra como os recentes problemas que fustigaram o Vaticano, no centro dos quais poderão estar venais lutas pelo controlo do IOR bem como a descentralização do 'poder apostólico’ (retirando perrogativas à Cúria) poderão ter-se encaminhado para um beco sem saída. Ou melhor, cuja saída passará por um novo conclave onde, a nível global, i.e., para além do restrito círculo da cúria romana acantonada no Vaticano, onde as ‘divisões’, as 'intrigas' e as 'rivalidades' são mais do que evidentes, se procederá ao necessário e inadiável ‘ajuste de contas’.
Significativo terá sido a circunstância de no último consistório, após o anúncio da renúncia, ter imediatamente usado da palavra o cardeal Angelo Sodano (ex-secretário de Estado e decano do colégio cardinalício) que a classificou como “um trovão em céu sereno”… link . Expressão vinda de uma eminência da Cúria, referenciada como um dos eventuais ‘corvos’ link, o mesmo que na Páscoa de 2010 (sempre na Páscoa!) sentiu necessidade de quebrar o rígido protocolo e anunciar frente a Ratzinger, em plena praça de S. Pedro, que …"A Igreja está com você!" link.
Entretanto, já longe das sonantes declarações de fidelidade e fugindo à tempestade que se avizinha, Joseph Ratzinger, prepara-se para uma perpétua e serena (?) clausura (a que terá sido 'condenado'...)
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«é muito mais fácil execrar o fanatismo alheio que dominar o próprio, e duas das mais preciosas qualidades que todo o sectarismo destrói são o sentido critico e a capacidade de cada um se situar no caso dos outros; qualidades que porventura são uma só.»
Miguel de Unamuno, 1918