Rajoy, Correa, Garzón, Bárcenas… ou, simplesmente, 'Gürtel’

O ‘caso Gürtel’ começa a movimentar, e a perturbar o sistema político-partidário espanhol, bem como a questionar os meandros da política em Espanha. Trata-se de uma longa história à volta de ‘fumos de corrupção’ no interior do Partido Popular, actualmente dirigido por Mariano Rajoy, e que começa antes da sua chegada ao Poder (do País e do partido).

O ‘caso Gürtel’ começou com a denúncia, em 2007, feita por um ex-vereador de um município dos arrabaldes da Comunidade de Madrid (Majadahonda), acerca de irregularidades que tinha conhecimento que recaíam sobre  uma organização do tipo mafioso (um dos cabecilhas desta organização, Francisco Correa, gostava que o tratassem por ‘Dom Vito’) que parasitava e espoliava comunidades autónomas (p. exº: Galiza, Madrid, Valência, etc.), bem como alguns municípios e que tinha como finalidade ‘agilizar’ processos relativos ao ramo imobiliário (‘eliminar’ proibições em matéria urbanística e ambiental), ‘facilitando’ os negócios nesta área de mercado. Depois, as recompensas pelos ‘favores prestados’ eram distribuídas por altos dignitários do Partido popular sobre a forma de (chorudos) contributos mensais. Um “mensalão à espanhola”. Acrescente-se que foram negócios deste tipo que viriam a desembocar na ‘quebra’ de muitas Cajas de Ahorro e da Bankia hoje ‘salvas’ pela ‘ajuda’ europeia, e que está avalizada pelos contribuintes espanhóis. As causas remotas da actual crise não se esgotam aqui, mas passam necessariamente por estes malabarismos de corrupção.
E são os beneficiários destas prebendas satisfeitas com ‘dinheiro negro’ que, terá sido recebido por debaixo da mesa em envelopes, agora aparecem na praça pública a tentar justificar dolorosas medidas de austeridade, impostas para salvar os bancos que literalmente assaltaram, pelo peregrino facto - repetido à exaustão - que os espanhóis estariam a ‘viver acima das suas possibilidades’...

O ‘mecanismo facilitador’ induzido por estas benesses - que eram endossadas aos empresários ‘pepês’ para assegurar a prosperidade do negócio imobiliário – passava pela captura de donativos (alguns generosos) que depois eram ‘redistribuídos’ por titulares de cargos políticos e partidários, cujo denominador comum era pertencerem à cúpula do partido dirigido por Mariano Rajoy.

Esta teia de corrupção acabaria por cair nas mãos do juiz Baltazar Garzón, na Audiência Nacional e, em 2009, as investigações em curso originam várias detenções e levam à prisão preventiva de 3 altos responsáveis da rede, todos com íntimas relações e responsabilidades no aparelho partidário do PP. O processo, ainda em curso, teve porém outras consequência paralelas que, hoje, revelam uma estanha coincidência: determinou a suspensão de Baltazar Garzón, da sua actividade como juiz da Audiência Nacional. A real razão da inibição do juiz Grazón começa a ser inteligível. Das escutas efectuadas sobre este caso acabou por, através de Francisco Correa (o tal ‘Don Vito’), chegar a Luis Bárcenas, senador da Cantábria e tesoureiro do PP até há poucos anos. Incriminado em 2009, o seu processo foi arquivado em 2011 (já após o saneamento de Garzón) mas reaberto em Março de 2012 após a anulação do veredicto de 2011 (o do arquivamento determinado pelo Tribunal Superior de Justiça de Madrid) por ultrapassagem de competências.
Entretanto, surge a denuncia do jornal El Mundo em 31.01.2013 link referindo que o ex-tesoureiro do PP Luis Bárcenas pagou ‘sobresueldos en negro durante años a parte de la cúpula del PP’. Os envelopes contendo ‘dinheiro negro’ continham valores supostamente 'al contado' que oscilavam entre os 5000 e os 15000 euros mensais, uma prática que teria começado há muito tempo (desde a Alianza Popular de Fraga Iribarne). Recentemente ‘El País’ exibiu provas extraídas da ‘contabilidade pessoal de Bárcenas’ no estilo das contas de merceeiro, onde aparece – entre outros - o soldo de Mariano Rajoy. link; link.

Resta ao PP negar tudo, construir uma ‘teoria da conspiração’ (em Portugal seria uma ‘cabala’) como fez Mariano Rajoy numa comunicação blindada à comunicação social. Rajoy, contudo, não conseguiu esclarecer nada (propôs revelar as suas declarações fiscais para os espanhóis verificarem se existem aí ‘vestígios de dinheiro negrolink ), nem afastar suspeitas.  O seu expedito contra-ataque não repôs a credibilidade (e a estabilidade?) política do Governo PP, devastada por mais este ‘escândalo’, mas assolado por uma perda de autoridade política e ética para, num período muito grave e doloroso para a Espanha, ter o mínimo de autoridade capaz de mobilizar a Espanha rumo ao crescimento económico e ao emprego. 

O ‘ajustamento espanhol (com as regras da troika, mas sem a dita), tal como Rajoy vem burilando há 1 ano, é contestado por múltiplas organizações políticas e sociais e arrisca-se a ser abruptamente posto em causa, demolido, por um caso de polícia...

De facto, tudo parecia (só parecia) estar a correr no sentido de uma lenta e sustentada saída da crise, apesar de um desemprego endémico cuja recuperação é um enigma (mesmo que haja inversão do sentido do crescimento económico e seja dominada a recessão), surgem inopinadamente…pequenos e imprevistos ‘acidentes’ que vêm questionar as práticas partidária, capazes de guindar os seus executores políticos ao pote (do Poder).
Na verdade, a actividade partidária está muito condicionada ao ‘mercado eleitoral’. Para ter sucesso nesse mercado não basta ter ideias, é necessário ter dinheiro para manter o circo e pagar bem, aos seus actores. Hoje, é manifestamente evidente que toda a actividade partidária, no que diz respeito ao seu financiamento, precisa de ser fiscalizada e repetidamente auditada. Por outro lado, os concursos públicos e as adjudicações directas necessitam de ter o visto prévio do Tribunal de Contas, por mais que seja invocada a necessidade e a urgência de 'agilizar' as respostas.

As declarações de Rajoy, no final da reunião do PP, não convenceram ninguém link . Geraram um clima de suspeição acrescido, de uma galopante indignação, e são um factor de instabilidade política não contribuindo para ultrapassar o impasse que se abate sobre o Governo de Madrid. Os próximos dias esclarecerão o que de muito de nebuloso paira no ar e até que ponto chegará a revolta que exige a demissão do Governo de Rajoy.
As duas palavras marteladas - ‘É falso’ - pretendem ser veementes e categóricas mas, como o próprio sabe, não põem fim a uma investigação em que cada novo dia sai da manga outros e novos factos e documentos e, concomitantemente, o clima político se deteriora irremediavelmente.

Comentários

e-pá! disse…
Apostila:

Na declaração de Rajoy após reunir com a direcção do PP foi afirmado pelo próprio que nunca recebeu 'dinero negro' (nem do PP, nem de qualquer outra entidade).
Ora, 'dinero negro' é na gíria castelhana o dinheiro que se subtrai ao fisco.
Então porque razão vai Mariano Rajoy 'exibir' as declarações dos seus rendimentos?
É que - vamos supor - no caso de ter recebido os referidos envelopes esse dinheiro nunca poderia figurar na declaração de rendimentos do actual presidente do Governo espanhol.
Não é?
De facto, essa ideia de exibir as declarações de rendimentos pareceu-me logo ridícula. Como se alguma vez algum político corrupto declarasse ao fisco o produto da corrupção! Há sempre uns off-shores, umas sociedades mais ou menos fictícias, umas contas de um sobrinho na Suíça...
Unknown disse…
Esse deve ser sonho da magistratura judicial portuguesa, que os corruptos cá do sítio aponham as “luvas” que recebem nas suas declarações fiscais. Sempre cheia de dúvidas, a nossa douta judicatura talvez encontrasse, então, coragem para condenar alguns ilustres. Mas como a hipótese nem académica é, vamos ter de nos contentar com o trabalho das aves raras que, aqui e ali, ousam perturbar a paz do charco à beira mar plantado. A devida vénia, pois então, para a corajosa juíza presidente Augusta Ferreira Palma e para os seus asas, Maria João Ferreira Lopes e Telmo Alves, que, a semana passada no Tribunal Judicial da Sertã, tiveram o desplante de condenar um ex-deputado do PS a 11 anos de cadeia por 15 crimes de corrupção e dois de peculato, naquela que parece ter sido a pena mais pesada algumas vez aplicada a um corrupto português. Que os meretíssimos tenham muita saúde e melhor sorte do que Baltasar Garzón!

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