Quando o preconceito e a intolerância se tornam crime
El Salvador esqueceu a conquista pelos espanhóis e os doze
anos sangrentos da guerra civil, dentro da Federação Centro-Americana, até
à independência em 1839. Foram mais de 100.000 as vítimas que o pequeno
país sacrificou à independência.
Ficou-lhe, todavia, um paradigma que deve à evangelização
espanhola – um catolicismo jurássico –, que exorna o nome do país e se exacerba
no da capital, São Salvador.
El Salvador anda na comunicação social de todo o mundo por
causa de uma condenação à morte de uma mulher de 22 anos que os médicos se
esforçam por salvar.
A jovem, portadora de lúpus, grávida de um feto anencéfalo,
incompatível com a vida, não sobreviverá sem a interrupção da gravidez mas em
S. Salvador a justiça proíbe que a gravidez seja interrompida por motivos
terapêuticos. O Tribunal Constitucional já decidiu que «os direitos da mãe não
podem prevalecer sobre os do indivíduo que vai nascer e vice-versa» e um dos juízes
conselheiros, Rodolfo Gonzalez, até declarou a sua dúvida sobre a inexorabilidade
da morte da jovem no caso de a gravidez prosseguir, não obstante saber que um
feto, sem cérebro, não sobreviverá certamente.
Não sei o que mais indigna, se a insensibilidade cruel dos juízes
ou a demência do seu preconceito religioso.
Os médicos, na sua humanidade decidiram retirar-lhe o feto
inviável por cesariana pois a lei que proíbe o aborto não se pode opor à
cesariana. Valerá à jovem, que já é mãe de um bebé com 1 ano, a humanidade de
«médicos de alto nível» que, de acordo com a vontade da grávida, procederão à
cesariana que lhe salvará a vida pondo termo ao risco e á angústia da jovem de
22 anos a quem, por prudência, se evita divulgar o nome.
Não há mitra que se erga em defesa da vida da jovem, báculo que
aponte o caminho da benevolência ou sotaina que se agite perante a decisão do
Tribunal. Nem em Roma há o mais leve remorso perante a vida que o preconceito
sacrifica e a angústia de uma jovem que aguardaria a morte se a deontologia
médica não contornasse o anacronismo da lei e a piedosa indiferença dos juízes.
Comentários
Verifica-se, no entanto, que a criminalização do aborto em El Salvador, sendo regida por leis absurdas e férreas, poucas consequências práticas têm, para além da humilhação da sua prisão nos Hospitais onde recorrem para tratar das complicaçãos de abortos clandestinos.
Embora decorream processos existe uma falta de motivação das instituições judiciais para acusar e condenar. Conhecemos esta situação. Trata-se de uma legislação abstracta que não tem futuro. Seria importante se o lamntável 'caso de Beatriz' fosse capaz de reactivar a discussão deste problema naquele País.
Independentemente da gravidade desta situação começa a disseminar a sensação de que se trata de um percurso repetitivo...