Véu islâmico começa a dividir a Turquia (2)


Por Monteiro Valente*




Tenho vindo a notar, com certa preocupação, que andas a virar radical, e a seguir um caminho que se aproxima cada vez mais daqueles que tanto criticas. Confundir o Islão com o «fascismo islâmico» é ignorar o que foi na sua essência o fascismo (e tu não o ignoras), e ignorar a história do Islão - ao qual a cultura ocidental tanto deve (tu próprio o afirmaste em texto no Ponte Europa há uns tempos atrás, quando evocaste Avicena e Averroes).


Vou recordar-te algumas afirmações de «neocons» na linha «islamofóbica» de G. Bush, da qual me parece que, distraidamente, te andas a aproximar:"O fundamentalismo muçulmano torna-se rapidamente a principal ameaça à paz global e à segurança" (New York Times); "Esta ameaça é semelhante à do nazismo e do fascismo nos anos 30, à dos comunistas nos anos 50" (Idem); "A Ameaça Vermelha desapareceu. Mas aqui está o Islão" (Idem). Desculpa. Não te quero ofender...mas começas a preocupar-me!


O Islão não é um «todo» nem uma doutrina estática, e, tal como outras religiões, conheceu ao longo da história diversas modificações. Cito, a propósito,a estudiosa italiana do Islão Biancamaria Scarcia: "Tal como no passado, quando foi utilizado para fins muito contraditórios, o Islão pode também hoje legitimar tanto uma política progressista como uma política reaccionária. Não existe hoje mais que ontem um Islão político, no sentido em que não há uma única ideologia, uma única visão islâmica das coisas".

Lembro-te, designadamente, o papel motor do Islão na resistência à violência colonial.É radicalismo chamar de «fascistas islâmicos» a mais de 1,2 mil milhões de muçulmanos existentes no mundo. Como seria possível perceber que a generalidade dos países democráticos (Portugal inclusive) mantivessem relações diplomáticas com tantos governos de «fascistas»? Como explicar que a NATO, a UE, Portugal tenham travado uma guerra nos Balcãs para instalar um governo muçulmano, «fascista islâmico», na Bósnia, que dentro de alguns anos entrará na UE?

Meu caro Esperança. Custa-me dizê-lo, mas, como sucedeu entre os muçulmanos, a Europa conheceu também impérios brilhantes e sinistras ditaduras, momentos de abertura e vagas de crispação, destacados intelectuais e períodos de decadência. Aliás, onde e quando existiram os autênticos fascismos? Não foi no seio do Islão nem em tempo assim tão remoto! Sim, porque os fascismos europeus não foram, na sua essência, uma questão de religião. Será bom não esquecer que o nazismo emergiu da democracia, e que, entre nós, a ditadura militar nasceu também com a ajuda de partidos republicanos. Como ensina António Sérgio, saibamos aprender com a História. Se ando preocupado com o que sucede no mundo islâmico, não o ando menos com os caminhos sinuosos da democracia na Europa e em Portugal. Agora até já em França rufam os tambores da guerra...a mesma França que, há quatro anos, se opôs à invasão do Iraque!

Quanto ao segundo ponto, o da Revolução Francesa, sabes bem que tenho esse acontecimento histórico na conta dos mais relevantes na história europeia, com consequências que se projectaram em várias partes do mundo - o que não significa que concorde com tudo quanto nela se passou e que hoje tenha de continuar a ser esse o caminho. Aliás, não ignoro que antes dela já existiam democracias modernas em outros países - caso da Grã-Bretanha e dos EUA -, cujo percurso foi bem diferente.

A questão de fundo que eu pretendi colocar ( e por certo não me expliquei bem)é se será possível ser laico e religioso ao mesmo tempo - como o defendem os actuais dirigentes turcos. Eu acredito que sim! E será que seria legítimo reconhecer como democrático um governo turco saído, eventualmente, de um golpe de Estado apoiado pelas correntes laicas e militares turcas? Acredito que a hipocrisia «democrática» ocidental seria capaz de o legitimar, como legitimou o regime militar paquistanês ou, aqui bem perto de nós, o actual regime argelino, ambos saídos de golpes militares.

Será que estou a ficar reaccionário?
.
* Militar, licenciado em História e estudioso do Islão.

Comentários

Anónimo disse…
Vantagens da leitura (pensada) da História, que acabei por não frequentar, após uma curta passagem pela Fac Letras de Lisboa, 1977/78.
Com Piteira Santos entre os professores.
Sobre a França e o Iraque e para ajudar a perceber a política/interesses da França de Chirac (tão popular na altura) - dois requisitos para alinhar na aventura USA:
a)Um contingente FR volumoso no Iraque, com estatuto próprio relativamente ao americano.
b)Uma área do território iraquiano, reservada para a exploração petrolífera francesa.
Com o que Bush não deve ter alinhado, digo eu.
Dois dados de info disponivel entre as altas autoridades políticas portuguesas da época.
Anónimo disse…
Islamismo rima com democracia nos países muçulmanos. São honestos, competentes, patriotas e tëm o povo com eles. Quando há eleições livres, ganham-nas por larga margem.

Do outro lado da barricada temos as ditaduras laicas, corruptas e fantoches dos EUA que capitulam face ao nazi-sionismo. A rua árabe é islamista, quer a democracia bem como escorraçar os terroristas cruzados e sionistas do Médio Oriente. ALLAH U AKBAR !

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