A União Civil Registada



Amanhã serão votados na Assembleia da República a proposta de lei do Governo e os projectos de lei do B.E. e do P.E.V. que viabilizarão o acesso a todos os portugueses ao casamento civil.

Ao mesmo tempo, e por uma qualquer espécie de descargo de consciência que lá muito bem entenderá, o PSD resolveu apresentar um projecto de lei que «cria e confere protecção jurídica às uniões civis registadas entre pessoas do mesmo sexo»

Há muito tempo que não via na sociedade portuguesa uma tão despudorada falta de ética.
Falta de ética política, intelectual e até mesmo pessoal.

Segundo o preâmbulo do projecto, é o próprio PSD o primeiro a reconhecer que o contrato de casamento civil não é acessível a pessoas do mesmo sexo que decidam constituir um projecto de vida em comum.

Só que, enquanto reconhece que «a liberdade na orientação sexual e a não discriminação em função desse facto são direitos plenamente consagrados na nossa Constituição», o PSD manda a coerência e o princípio da liberdade às urtigas e recorre à mais mesquinha homofobia para propor uma realidade autónoma e um regime jurídico só para homossexuais.

Por outras palavras, o PSD reconhece efectivamente que o casamento civil é um bem jurídico cujo acesso está discriminatoriamente vedado a determinados cidadãos em razão da sua orientação sexual.
Só que, ao mesmo tempo, o PSD persiste em criar uma discriminação muito maior, deixando bem claro que considera que o acesso dos homossexuais a um simples contrato de casamento civil «infecta» ou «conspurca» essa instituição a que ouvi chamar milenar, mas que não tem mais de 130 anos desde a sua criação nem mais de 35 anos na sua actual formulação.

E, se dúvidas houvesse, uma simples leitura ao projecto de lei do PSD desde logo nos revela uma indisfarçada e revoltante homofobia, para além de constituir um novo paradigma daquilo a que, com mais ou menos rigor técnico, se convencionou chamar um «aborto jurídico».

Com efeito, logo no artigo 1º o projecto define como «união civil registada» um contrato celebrado unicamente entre duas pessoas do mesmo sexo, desde logo criando uma nova «discriminação ao contrário», que não é mais do que um gueto, que é óbvia e manifestamente inconstitucional.

O artigo 2º diz que para constituir uma união civil registada pelo menos um dos parceiros deverá ter nacionalidade portuguesa, o que não deixaria de arrepiar os cabelos às instâncias jurídicas da União Europeia.

O artigo 5º nº 3 diz que os parceiros gozam da faculdade de se recusar a prestar depoimento como teste-munha para efeitos do disposto no artigo 134º do Código Penal mas, curiosamente (ou talvez não), parece que se “esquece” de estabelecer o mesmo regime em processo civil, tal como acontece no casamento.

Mas a “pièce de resistance” pode ser encontrada na alínea c) do nº 1 do artigo 6º que estipula que o casa-mento anterior não dissolvido é impedimento do registo da união civil, «salvo se tiver sido decretada separa-ção judicial de pessoas e bens».

Ou seja, o que os nossos ilustres e brilhantes deputados do PSD preconizam para Portugal não é nem mais nem menos do que uma nova espécie de… poligamia!

De facto, o projecto do PSD, que no seu próprio preâmbulo afirma que «pretende ser uma garantia de protecção das pessoas do mesmo sexo que vivem em condições análogas às dos cônjuges, e que, por conseguinte, devem desfrutar de um grau de protecção equiparável» ao casamento civil, defende que podem «celebrar» uma união civil registada, por exemplo, dois homens que ainda estejam casados cada um com a sua mulher, desde que delas já estejam separados judicialmente de pessoas e bens.

Deste modo, as relações jurídicas provindas dos casamentos de cada um dos parceiros, e que ainda estão vigentes, misturam-se curiosa e misteriosamente com as novas relações jurídicas nascidas no âmbito da União Civil Registada.

O mais engraçado, passe a expressão, vem da alínea e) do nº 1 do artigo 4º do projecto do PSD que estipula que os parceiros são herdeiros um do outro «em posição equiparada à do cônjuge».

O que isto quer dizer é que se um dos parceiros for separado judicialmente de pessoas e bens, isto é, se ainda estiver casado, a sua morte encontrará um curiosíssimo regime de heranças, com duas pessoas a concorrer na pensão da Segurança Social e a disputarem a mesma herança como herdeiros legitimários: o cônjuge e o parceiro «em posição equiparada à do cônjuge».


Infelizmente, este projecto de lei do PSD não me surpreende.
Como não me surpreende que ainda tanta gente persista em discriminar os seus semelhantes.

Mas o que mais me surpreende é que a homofobia e a cega persistência em continuar a discriminar os cidadãos atinja um grau tal, que ainda haja pessoa capazes de, em perfeita consciência, defenderem uma aberração e uma vergonha do tamanho que é este projecto do PSD para esta malfadada «União Civil Registada».

Comentários

FH disse…
O conjuge separado judicialmente de pessoas e bens não é herdeiro legitimário:

"Artigo 2133.º
(Classes de sucessíveis)
1. ...
2. ....
3. O cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens, por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado, ou ainda se a sentença de divórcio ou separação vier a ser proferida posteriormente àquela data, nos termos do n.º 3 do artigo 1785.º"
andrepereira disse…
Sim, mas não se pode casar.

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