De novo a Ordem dos Advogados
Começo por me desculpar perante os leitores e os colegas deste blogue pela tardia réplica aos excelentes posts de António Horta Pinto e E-pá relativamente ao meu post em que questionei a actualidade e a necessidade das ordens profissionais, com especial enfoque na Ordem dos Advogados e a intervenção do seu bastonário na abertura do ano judicial.
Existem países, que são estados de direito democráticos com credenciais inquestionáveis nessa matéria, em que não existem associações de inscrição obrigatória para o exercício profissional da consulta jurídica e do patrocínio judiciário. Refiro-me nomeadamente à Suécia e à Finlândia. Nesses países, qualquer cidadão ou residente em pleno gozo dos seus direitos cívicos e que conheça uma das línguas oficiais pode legalmente exercer a actividade de consulta jurídica e patrocinar qualquer causa em qualquer tribunal, ainda que não licenciado em direito. As "ordens" dos advogados locais- a Advokatsamfundet na Suécia e a Suomen Asianajajaliitto- são associações de inscrição facultativa e que, no essencial, conferem uma espécie de certificação de qualidade aos seus associados- que recebem o título de Advokat e Asjanajaja/Advokat. Esta "originalidade" corresponde a um menor paternalismo judiciário e a um elevado grau de desformalização do direito processual, que na óptica do pensamento jurídico escandinavo deverá levar à justiça do caso concreto.
A arquitectura institucional de uma qualquer sociedade não poderá ser irrevisível. Não estamos no aflorar das sociedades post-liberais recém-emancipadas (como referiu o e-pá), nem nos lúgubres tempos do fascismo salazarento, consuetudinariamente invocado pela OA para justificar a sua permanência. É perfeitamente concebível um paradigma pós-corporativo de regulação da profissão através de comissões paritárias com ampla participação da sociedade (e é o interesse da sociedade no seu todo que consubstancia o interesse público das ordens profissionais, sociedade essa que não se encontra minimamente respresentada no paradigma corporativo da auto-regulação profissional) e um paradigma pós-corporativo da certificação profissional dos advogados (e desculpem o desabafo, mas a meu ver o estágio da OA, reminescente dos aprendizados de feiticeiro, desempenha pessimamente o seu papel).
Quanto às outras questões que havia referido no meu post, ou seja, a posição do bastonário quanto à resolução alternativa de litígios e a agilização processual, parece-me que há muito conservadorismo e alguma demagogia quanto à questão.
A resolução alternativa de litígios é a peça charneira da justiça contemporânea. Há abusos? Há. Como qualquer artefacto desenhado e aplicado por humanos, é intrinsecamente falível. Como o é a justiça togada. Não tomemos a parte pelo todo! Ora a justiça togada é lenta, cara e formalista. Tanto mais quanto mais intermediários houver- e o intermediário advogado é perfeitamente dispensável nas pequenas causas facilmente resolúveis por mediação ou arbitragem- aí está a pedra no sapato corporativo da OA. Faz sentido ter os tribunais a resolver causas bagatelares? Não será melhor reservar uma justiça togada célere e qualificada para as causas com verdadeira relevância social?
Quanto à agilização processual, é preciso entender que o bem justiça é, como todos os bens, um bem escasso. E é preciso compreender isto sem preconceitos: a justiça togada não pode responder a tudo e tem que seleccionar prioridades. E o frequentemente denominado "garantismo" da justiça portuguesa, e é preciso dizê-lo, caracteriza-se frequentemente pela porta aberta a uma profusão de recursos fúteis que só aproveitam aos mais ricos e poderosos. Basta passar os olhos pela legislação processual dos países mais desenvolvidos para constatar que o abuso dos recursos e incidentes fúteis é seriamente penalizado.
Em resumo: é possível e desejável superar o paradigma da auto-regulação profissional de algumas profissões que conseguiram, num determinado contexto histórico, alcançar determinados privilégios.
Existem países, que são estados de direito democráticos com credenciais inquestionáveis nessa matéria, em que não existem associações de inscrição obrigatória para o exercício profissional da consulta jurídica e do patrocínio judiciário. Refiro-me nomeadamente à Suécia e à Finlândia. Nesses países, qualquer cidadão ou residente em pleno gozo dos seus direitos cívicos e que conheça uma das línguas oficiais pode legalmente exercer a actividade de consulta jurídica e patrocinar qualquer causa em qualquer tribunal, ainda que não licenciado em direito. As "ordens" dos advogados locais- a Advokatsamfundet na Suécia e a Suomen Asianajajaliitto- são associações de inscrição facultativa e que, no essencial, conferem uma espécie de certificação de qualidade aos seus associados- que recebem o título de Advokat e Asjanajaja/Advokat. Esta "originalidade" corresponde a um menor paternalismo judiciário e a um elevado grau de desformalização do direito processual, que na óptica do pensamento jurídico escandinavo deverá levar à justiça do caso concreto.
A arquitectura institucional de uma qualquer sociedade não poderá ser irrevisível. Não estamos no aflorar das sociedades post-liberais recém-emancipadas (como referiu o e-pá), nem nos lúgubres tempos do fascismo salazarento, consuetudinariamente invocado pela OA para justificar a sua permanência. É perfeitamente concebível um paradigma pós-corporativo de regulação da profissão através de comissões paritárias com ampla participação da sociedade (e é o interesse da sociedade no seu todo que consubstancia o interesse público das ordens profissionais, sociedade essa que não se encontra minimamente respresentada no paradigma corporativo da auto-regulação profissional) e um paradigma pós-corporativo da certificação profissional dos advogados (e desculpem o desabafo, mas a meu ver o estágio da OA, reminescente dos aprendizados de feiticeiro, desempenha pessimamente o seu papel).
Quanto às outras questões que havia referido no meu post, ou seja, a posição do bastonário quanto à resolução alternativa de litígios e a agilização processual, parece-me que há muito conservadorismo e alguma demagogia quanto à questão.
A resolução alternativa de litígios é a peça charneira da justiça contemporânea. Há abusos? Há. Como qualquer artefacto desenhado e aplicado por humanos, é intrinsecamente falível. Como o é a justiça togada. Não tomemos a parte pelo todo! Ora a justiça togada é lenta, cara e formalista. Tanto mais quanto mais intermediários houver- e o intermediário advogado é perfeitamente dispensável nas pequenas causas facilmente resolúveis por mediação ou arbitragem- aí está a pedra no sapato corporativo da OA. Faz sentido ter os tribunais a resolver causas bagatelares? Não será melhor reservar uma justiça togada célere e qualificada para as causas com verdadeira relevância social?
Quanto à agilização processual, é preciso entender que o bem justiça é, como todos os bens, um bem escasso. E é preciso compreender isto sem preconceitos: a justiça togada não pode responder a tudo e tem que seleccionar prioridades. E o frequentemente denominado "garantismo" da justiça portuguesa, e é preciso dizê-lo, caracteriza-se frequentemente pela porta aberta a uma profusão de recursos fúteis que só aproveitam aos mais ricos e poderosos. Basta passar os olhos pela legislação processual dos países mais desenvolvidos para constatar que o abuso dos recursos e incidentes fúteis é seriamente penalizado.
Em resumo: é possível e desejável superar o paradigma da auto-regulação profissional de algumas profissões que conseguiram, num determinado contexto histórico, alcançar determinados privilégios.
Comentários
Dois problemas:
1) Embora concorde que o 'garantismo' dá origem a mútiplos recursos, prescrições, etc., o receio de todos os cidadãos diz respeito à 'compressão' daquilo que convencionou chamar direitos, liberdades e garantias.
2) As ditas 'profissões livres' necessitam , em minha opinião, de algum mecanismo de regulação e de controlo de regras deontológicas.
Quando olhamos para Portugal estas duas questões tornam-se cruciais.
Não existe no nosso País qual tradição de 'auto-regulação', nem uma cultura de liberdade responsável. E nos tempos de endeusamento dos 'mercados' o que reina é a concorrência, muitas vezes desleal.
As Ordens (reformáveis) são, neste contexto, um mal menor. Pior é o que este Governo está a tentar fazer: a sua 'governamentalização'.
Daí não virá nada de bom.