Filhos de Ulrich… ou da Jonet
No pungente crepúsculo da ética e da solidariedade, enquanto milhares de portugueses voltam à sopa dos pobres e aos caixotes do lixo, há sempre um filho de Ulrich qualquer capaz de garantir, com a sensibilidade de um batráquio, que o sofrimento é aceitável e adequado à salvação da alma e aos interesses do capital financeiro.
Consideram os mais pios que o Governo que nos coube é castigo de Deus, punição que o voto das últimas eleições justifica, enquanto outros pensam que a herança do anterior Governo e a crise dos mercados estão na origem da desventura, mas sabe-se, de ciência certa, que a incompetência e a maldade deram as mãos.
Que o Governo está ao serviço da banca é uma verdade ululante, mas que um banqueiro já fale sem precisar de se esconder atrás dos homens de mão, é uma triste novidade num regime que não esconde a pressa de desmantelar o Estado e substituir a Constituição.
Ai aguentam, aguentam! Custe o que custar! Prefiro a caridade à solidariedade!
Filhos de Ulrich!
Lembram-me sempre a freira das invasões francesas a queixar-se à madre superiora de ter sido violada pelos soldados de Napoleão, receosa de engravidar. Ouviu da madre a recomendação de espremer dois limões bem azedos e beber o sumo.
- E acha que não engravido, madre?
- Pelo menos perde esse ar de felicidade, que me arrelia.
Esse ar de felicidade que estes filhos de Ulrich põem perante a desgraça que nos coube, e sem o mais leve sobressalto que lhes retire o sono ou os envergonhe, é o húmus onde cresce a raiva e o desespero medra.
Comentários
E o que mais revolta é quando eles têm o descaramento de dizer "nós" - todos nós temos de fazer sacrifícios, etc. - como se eles também sofressem alguma coisa que se possa chamar sacrifício!