ITÁLIA – Eleições 2013 (a primeira volta...?)
As últimas eleições lançaram a Itália na maior das incertezas e, com toda a probabilidade, não desenharam, nem clarificaram qualquer solução política para este País, assolado por uma grave crise económica e financeira.
A falta de sustentação democrática do ‘intermezzo tecnocratico’ protagonizado por Mario Monti - mas na realidade exigido por Merkel e abençoado pelos burocratas de Bruxelas – acabou por se desmascarar nestas eleições.
O 'interregno democrático', que caracteriza a ‘gestão Monti’, durou pouco mais de um ano e, como é possível hoje verificar, não deu quaisquer frutos. Antes pelo contrário.
Mario Monti – um professor de Economia, ex-funcionário da Goldman-Sachs e ex-comissário europeu – foi apresentado aos italianos, em Novembro de 2011, como uma resposta sensata e qualificada para os desvarios e irresponsabilidades de Berlusconi que, entretanto, parecia ter perdido o apoio dos italianos e conquistado a desconfiança do eurocratas e, o que seria mais importante, a rejeição de Angela Merkel.
Foi então possível ‘concertar’ uma solução híbrida em que a Democracia aparecia mitigada, para não dizer pervertida. Um governo chefiado pelo tecnocrata Monti politicamente dependente de um parlamento (Câmara de Deputados e Senado) não dissolvido por estratégia europeia e onde a coligação de Berlusconi – em riscos de desagregação – continuava a deter a maioria.
‘Cozinhou-se’ – deste modo – uma resposta condicionada para uma situação difícil e complexa que afectava (e ainda afecta) a 3ª. maior economia da UE (dívida excessiva, juros a dez anos já superaram os 7,4% e um diferencial de risco face ao ‘bund’ alemão dobrou a barreira dos 500 pontos link) que se apresentava como verdadeiramente atípica, apesar o exemplo grego (Governo de Lucas Papademos). Paralelamente, é importante recordar, os italianos, nessa altura, estavam a ser “humilhados pelos mercados” - um conceito vago e depreciativo que enlameia os Países do Sul da Europa (os denominados PIIGS) – facto que colocaria a Itália sob a ‘supervisão do FMI’, na verdade, o detonador da ‘queda’ do Governo Berlusconi.
Deste modo, um técnico com aura de 'super' entra, pela porta do fundo, nos meandros da política italiana. Um incursão atípica, a prazo, para contornar eleições que as forças partidárias julgavam ‘inconvenientes’, ‘prematuras’ e desestabilizadoras da ‘coesão europeia’. Mas tendo ficado os demónios à solta seria o próprio Berlusconi, que quando julgou ‘oportuno’, se apressa a provocar eleições – em Dezembro de 2012 link- esvaziando o Governo Monti do ‘necessário’ apoio parlamentar, pondo fim a esta ‘experiência’.
Desta maneira, é mais uma vez Silvio Berlusconi, a desfazer uma ‘artificial e frágil frente’ que segurava Monti e que, na prática, envolvia os dois principais partidos italianos: PDL (Povo da Liberdade, de direita) e PD (Partido Democrata, de centro-esquerda).
Berlusconi aproveitou a confusão reinante para tentar voltar à ribalta política. Mario Monti, depois de pungentes hesitações, decide submeter-se ao veredicto popular em busca conseguir uma legitimidade que nunca sentiu durante o ano de 2012. Tenta, então, impor aos eleitores e aos partidos uma ‘agenda Monti’. centrada em planos técnicos de austeridade (negociação de um pacto fiscal e cortes na despesa).
Ninguém, quer a direita populista de Berlusconi, quer o centro-esquerda liderado por Pier Luigi Bersani, aceita partir para eleições condicionado por essa ‘agenda’, na verdade, um fatal compromisso com a 'linha popular europeia' que comanda Bruxelas. Pelo meio, à boleia da confusão e do descrédito, aparece um candidato anti-europeísta e ‘anti-políticos’ (partidários), de nome Beppe Grillo.
Os resultados são conhecidos: maioria do PD na câmara de deputados; maioria da direita no Senado, Grillo com 25% dos votos e, em resumo, uma Itália ‘ingovernável’ link.
A ‘experiência italiana’ imposta por Bruxelas e Berlim como ‘estabilizadora’, perante a pressão dos mercados sobre a Itália, revelou-se ontem como absolutamente desastrosa. Colocou um País a fervilhar à volta de ‘populismos’ de diversos matizes e fachadas (de Berlusconi a Grillo). Mostrou que o centro-esquerda (PD) foi incapaz de capitalizar a vaga de descontentamento popular porque se deixou envolver em ambiguidades políticas, económicas e sociais.
De reter: contornar questões políticas com soluções técnicas pode funcionar como terapêutica paliativa, mas agrava as maleitas (políticas, económicas e sociais) e perturba o regular funcionamento dos sistemas democráticos.
Fica, então: a necessidade de regressar à política. Sem ‘oportunismos’, sem ‘populismos’, sem ‘anti-partidarismos’ e sem a silenciosa tutela dos mercados (que mais uma vez mostrou ser contraproducente).
A Itália, uma referência cultural do Ocidente e um dos Estados fundadores da União Europeia, um País caldeado por inúmeras crises políticas internas, deverá ter aprendido alguma coisa com as eleições deste fim-de-semana.
Veremos qual o saldo real e objectivo deste acto eleitoral porque resta a convicção de que o próximo já vem a caminho.
Comentários
Quando em determinados países falha o controlo sobre os partidos da "alternância democrática" (gosto à brava desta expressão), ou quando estes não conseguem ganhar as eleições, a grande multinacional opta pela administração direta, nomeando um tecnocrata higienizado (estilo Gaspar).
O E-pá! procede aqui a uma excelente análise sobre a atual situação política em Itália. Do texto, destaco duas frases, que, em Portugal, devem ser motivo de reflexão:
"o centro-esquerda (PD) foi incapaz de capitalizar a vaga de descontentamento popular porque se deixou envolver em ambiguidades políticas, económicas e sociais".
"(A Itália) deverá ter aprendido alguma coisa com as eleições deste fim-de-semana".
O fenómeno "Beppe Grillo" teve o mérito de desmascarar a hipocrisia dos partidos institucionalizados e de evidenciar que 25 por cento dos eleitores já perceberam a natureza perversa da moeda única, que não é mais do que um instrumento de dominação dos países ricos sobre os países da periferia.