Eleições Europeias

Apesar das excelentes análises dos resultados eleitorais já feitas pelos outros camaradas de blog, não resisto a escrever alguns comentários:

Dos resultados a nível nacional:

1) A elevadíssima abstenção aliada ao desinteresse generalizado dos eleitores por este acto eleitoral potenciou o voto de protesto;

2) O PS sai claramente derrotado. Isto deve-se em muito ao voto de protesto contra o governo, que já há bastante tempo perdeu o seu élan, tendo passado de uma metodologia clara e planificada de acção política (que caracterizou os primeiros anos de governação), para uma gestão à deriva, sem rumo claro, sem objectivo certo, ao sabor das circunstâncias, não conseguindo evitar a cedência às suas clientelas políticas e aos caprichos da clique que o dirige;

3) O PS sai também derrotado por uma má escolha de cabeça de lista. Vital Moreira é um excelente académico, uma pessoa com um prestígio público e uma currículo imaculado de intervenção política: deputado à Assembleia Constituinte e à AR, juiz do Tribunal Constitucional... Será um excelente eurodeputado. No entanto, Vital Moreira não terá sido porventura a melhor escolha como candidato. Por um lado falta-lhe tacto e manha política. Vital é um homem que diz o que pensa frontalmente e sem recurso a chicanas políticas, algo que tendo em conta a forma soez e rasteira como a campanha foi dinamizada pelo PSD e pelo CDS, se revelou catastrófico. Só um político extremamente carismático consegue fazer uma campanha transparente e triunfar: não obstante todas as suas qualidades, Vital Moreira dificilmente consegue convencer o eleitorado ou fazer a alma dos eleitores vibrar. Por outro lado, ao ter introduzido de forma algo temerária e insistente alguns temas de campanha- nomeadamente o imposto europeu- revelou-se catastrófico. Para além disso, em Vital nota-se muito facilmente no seu rosto e na sua voz a irritação e a impaciência quando alguém dele discorda... o que não atrai votos (nem mesmo para o PCP na sua fase pré-Jerónimo);

4) Outro chavão de campanha do PS e que resultou mal, foi a afirmação, como postulado universal e inatacável, que o PS é a única verdadeira opção política para Portugal, e que qualquer outra opção significa arrastar o país para a ingovernabilidade. Terrível estratégia: por um lado passa um atestado de incompetência e imaturidade aos eleitores (como se eles não fossem responsáveis pelas suas escolhas), pelo outro lado soa a messianismo autoritário

5) O autoritarismo do governo PS, o seu método de trabalho frequentemente impetuoso, irreflectido temerário e mal estudado, acompanhado do estilo "frontal" de Vital Moreira também ajudou a assustar o eleitorado;

6)Por outro lado, ficou claro que o eleitorado de esquerda não se deixou convencer pelo PS. Isto porque, no essencial, no que diz respeito à estrutura da sociedade e da economia, as panaceias empregues pelo PS são essencialmente as mesmas da direita. A forma como o PS respondeu à crise financeira e económica foram, no essencial as mesmas que foram adoptadas por todo o mundo- por governos de direita e de esquerda soft. Os gravíssimos desequilíbrios económicos e sociais continuam lá, e nem com a sua maioria absoluta e a retaguarda protegida à sua esquerda o PS ousou procurar alterar o modelo, pouco indo o seu ímpeto renovador além de questões essencialmente pacíficas (mesmo no PSD) relativamente à desburocratização e a eficiência fiscal;

7) Os resultados dos partidos de esquerda (BE e CDU) foram excelentes. No caso da CDU, fica demonstrado que o partido tem uma base social de apoio irredutível e que é um partido fixo e importante na democracia portuguesa. Por outro lado, o BE demonstra uma progressiva e sustentada evolução e estabiliza-se no panorama político português. Estas duas forças políticas têm portanto um lugar estável no panorama político português, representando as opiniões de uma fatia significativa do eleitorado (16 a 21%), que não se revê no "programa de esquerda" do PS;

8) Até agora o PS tem conseguido, nas eleições legislativas, capitalizar o voto útil. Ora, o PS parece muito confiante que o poderá repetir nas próximas eleições. Tal não me parece líquido. Isto porque tradicionalmente os eleitores de esquerda votam útil no PS em duas circunstâncias: a) para prevenir ou superar governos catastróficos da direita ou b) porque no seu círculo eleitoral é impossível o triunfo de uma força partidária alternativa (ou seja, não existe escolha). Ora, no caso das próximas eleições as variáveis desta eleição são diferentes: os partidos de esquerda vão obtendo maior implantação para além dos círculos eleitorais maiores, existe um descontentamento generalizado entre os eleitores de esquerda com o PS, e porque os eleitores de esquerda querem uma verdadeira mudança à esquerda, objectivo que nunca foi atingido após inúmeros cheques em branco já concedidos ao PS;

9) O PSD ainda deve estar a pensar de onde é que caiu a sorte grande. Um facto é certo: a demagogia rasteira de Paulo Rangel surtiu efeito;

10) O CDS continua lá, sempre com um resultado duas vezes superior ao que as sondagens lhe dão. Nunca acreditar em sondagens relativamente ao CDS... muita gente tem vergonha de admitir que votou ou vai votar CDS;

11) O PS terá que analisar, profunda e honestamente, o resultado destas eleições, sob pena de sucumbir a uma verdadeira hecatombe nas próximas legislativas. Deverá voltar a ter foco, a planear bem a sua acção política, afastar algumas clientelas, despedir alguns boys, ser menos arrogante.

Dos resultados a nível nacional:

1) A extrema direita xenófoba e anti-europeia cresce sustentadamente: segundo lugar e 4 mandatos para a lista de Geert Wilders na Holanda; enorme representação do UKIP no Reino Unido;

2) O PPE mantém-se, o PSE desce catastróficamente, e os partidos de esquerda crescem

3) Barroso tem a recondução quase garantida

4) Portugal, a seguir à Alemanha, é o país que mais parlamentares enviará para a Esquerda Unida Europeia

Comentários

e-pá! disse…
Caro Rui Cascao:

A nível nacional, estes resultados, nomeadamente a debilidade eleitoral, logo política, subitamente exibida pelo PS, não permitirá a Sócrates, no infernal ciclo que agora se iniciou, tirar "férias"...

Um eventual desaire nas eleições autárquicas - continuando a não ser extrapolável para as Legislativas - tornaria mais frágil e vunerável a posição do PS.
Mas essa eventualidade não é um cenário absurdo, nem impensável, na actual conjuntura política nacional.
Todavia, as eleições municipais são as que, os Estados Maiores partidários, menos influenciam. Existem demasiados factores locais, de proximidade e imperam ainda muitos interesses paroquiais ligados a personagens não controláveis no esquema político de disputa na área do Poder Local;

Assim, a grande aposta de Sócrates é não dispersar forças, capacidades e recursos, começando, desde já a trabalhar para o grande embate das Legislativas.
Aí, o PS, enquanto partido do Poder, tem múltiplos espaços de manobra, neste momento alargados, pela existência de uma profunda crise económica e social, ainda longe de ser domada.

A área fulcral de intervenção política será essa.

Os partidos à Esquerda não baixarâo a guarda e deverão empurrar o PS para uma inflexão à Esquerda, nomeadamente na definição das questões e opções financeiras e económicas (que se arrastam penosamente) e, por outro lado, os resultados destas europeias emprestaram - através do populismo de Paulo Rangel - alguma posição de liderança a Manuela Ferreira Leite, depois de anos de lamento que não existia qualquer oposição...

Tudo o que foi referido anteriormente está ao alcance do PS.
Mais dificil será controlar a situaçõa social, neste momento crispada, escorregadia e instável.

Os resultados das eleições europeias, sendo fatais para a prossecução de uma política de equilíbrio social, tentada - até aqui - pelo PS.
A situação pós-eleitoral poderá fazer disparar as reivindicações sociais, quer através de acções de rua, quer pela intensificação do actividade sindical, quer na instabilização do clima de segurança cívica.

Este será o grande desafio para o PS.
Rui Cascao disse…
concordo plenamente consigo e-pá. O que me parece é que é claro que o eleitorado de esquerda está farto do "business as usual". O PS terá que demonstrar claramente que as suas posições são claramente de esquerda, não evitando as reivindicações da esquerda relativamente às questões de costumes, ao mesmo tempo que tem que provar que tem superioridade em termos de governança relativamente ao PSD.

Se o PS quiser alcançar outra maioria absoluta, terá que trabalhar arduamente para isso. Se a não alcançar, terá que engolir parte do seu orgulho, resistir a compromissos com a direita, e procurar uma plataforma de entendimento com a esquerda. Compromissos à esquerda não devem ser tabu para o PS, caso não renove a maioria absoluta.

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