O Adiamento Também Tem Custos
Por
José Paulo Esperança *
“28 economistas apelam a Sócrates para reavaliar investimentos públicos”, noticiavam o Público e o Expresso do Sábado passado, invocando os argumentos da baixa rendibilidade desses investimentos e do sobre endividamento público. Debaixo de fogo estão o novo aeroporto, o TGV e as novas auto-estradas.
À primeira vista parece difícil discordar de uma opinião partilhada por tantos especialistas de reconhecido mérito, numa classe que não prima pelo consenso. Além disso, o argumento da baixa rendibilidade é para levar a sério. Ross afirmou que numa decisão de investimento há três situações possíveis: a boa, em que se decide investir num projecto com valor actual líquido (VAL) positivo; a má em que se rejeita um projecto com VAL positivo; e a feia em que se aprova um projecto com VAL negativo, logo destruidor de valor, com que vamos ter de lidar devido à má decisão tomada.
Do ponto de vista filosófico, convém ser prudente quanto ao argumento da opinião dos especialistas. Kant afirmava que não é verdadeira uma afirmação proferida por um reconhecido sábio – é preciso que seja submetida ao teste da validade científica.
Quanto ao argumento da rendibilidade custa-me que todos os investimentos públicos sejam metidos no mesmo saco. Estou certo, aliás, que o consenso se dissiparia se o grupo de sábios tivesse que optar entre os diferentes tipos de investimento. Nesse caso teríamos três tipos de posições: os que rejeitam liminarmente qualquer tipo de investimento público contra-cíclico, com receio de ser apodados de Keynesianos, os que aprovam apenas alguns investimentos cirúrgicos, com critérios estratégicos, por exemplo para afirmação da economia portuguesa e os que aprovariam a generalidade dos investimentos rendíveis, cujos retornos futuros compensam o investimento inicial.
É um pouco surpreendente que muitos destes economistas tenham ficado silenciosos ou sido defensores activos na época da “política do betão” que nos dotou afinal de tantas das auto-estradas que agora se prestam a fotografias em que não se vislumbra uma viatura no horizonte, que permitiu a conclusão da A1 enquanto a renovação da linha do Norte (estou a falar de comboios) ainda não está concluída, quando um custo marginalmente superior teria permitido a construção de uma nova linha dupla, com base nos Alfa pendulares, e que permitiu a construção da Ponte Vasco da Gama, em ligação a Alcochete, a ligação mais extensa do Mar da Palha e sem inclusão de linha férrea! Nessa época também houve consenso – dos Ministros Borrego e Mira Amaral a geógrafos como o Prof. Jorge Gaspar – contra a Ponte Vasco da Gama, sem que a posição do Eng. Ferreira do Amaral deixasse de prevalecer. Hoje temos um comboio pesado a circular na Ponte 25 de Abril, desenhada para um transporte ligeiro, tornando necessária a terceira travessia, porque na segunda foi decidido não se fazer a ligação ferroviária.
Claro que o consenso do grupo de economistas é posto em causa logo na mesma edição do Expresso com a pergunta de Nicolau Santos – “podemos mesmo não fazer o TGV?”. Não é só a questão do compromisso assumido com Espanha por sucessivos governos – incluindo a ligação Aveiro – Salamanca em TGV, bem visível no mapa da página 5 do Expresso, essa sim uma ligação de rendibilidade provavelmente negativa, mesmo no cenário mais favorável. O TGV é um imperativo estratégico para reduzir a nossa dupla situação periférica – em relação a Espanha e ao resto da Europa. Se quebrarmos o compromisso da ligação de TGV Lisboa-Badajoz, evitamos de vez a necessidade também do novo aeroporto. Os portugueses passarão a ir de carro até Badajoz. De lá ao aeroporto de Madrid, no TGV espanhol, que dá pelo simpático nome de AVE, será um instante. Se a moda pega, o melhor investimento é mesmo em parques de estacionamento na futura maxi-metrópole Badajoz/Elvas. O aeroporto da Portela pode até ficar sobredimensionado.
Parar para pensar pode poupar-nos a construção de mais auto-estradas desnecessárias. Porém, tem três tipos de custos que não podem ser ignorados: 1 - As decisões de investimento são opções reais que expiram. O nível do apoio comunitário é hoje bem menor que há 15 anos atrás e até o actual apoio comunitário expirará brevemente. 2 - Uma decisão de fluxos financeiros equivalentes e rendibilidade positiva tem um valor actual mais baixo, se adiada. 3 – É socialmente benéfico que o investimento público seja contra-cíclico, para alisar a evolução da economia. Não parece discutível que esse esforço se justifica mais hoje, no momento da maior queda de produto em muitas décadas.
Parece pois que, em vez de pôr em causa o conjunto dos investimentos públicos, devemos avançar já com os mais benéficos pelo valor criado quer numa óptica privada quer ponderando externalidades como o conforto, a segurança, a redução de emissões de dióxido de carbono e o desenvolvimento de actividades a montante e a jusante.
Lisboa, 22 de Junho de 2009
* Catedrático de Finanças (ISCTE)
José Paulo Esperança *
“28 economistas apelam a Sócrates para reavaliar investimentos públicos”, noticiavam o Público e o Expresso do Sábado passado, invocando os argumentos da baixa rendibilidade desses investimentos e do sobre endividamento público. Debaixo de fogo estão o novo aeroporto, o TGV e as novas auto-estradas.
À primeira vista parece difícil discordar de uma opinião partilhada por tantos especialistas de reconhecido mérito, numa classe que não prima pelo consenso. Além disso, o argumento da baixa rendibilidade é para levar a sério. Ross afirmou que numa decisão de investimento há três situações possíveis: a boa, em que se decide investir num projecto com valor actual líquido (VAL) positivo; a má em que se rejeita um projecto com VAL positivo; e a feia em que se aprova um projecto com VAL negativo, logo destruidor de valor, com que vamos ter de lidar devido à má decisão tomada.
Do ponto de vista filosófico, convém ser prudente quanto ao argumento da opinião dos especialistas. Kant afirmava que não é verdadeira uma afirmação proferida por um reconhecido sábio – é preciso que seja submetida ao teste da validade científica.
Quanto ao argumento da rendibilidade custa-me que todos os investimentos públicos sejam metidos no mesmo saco. Estou certo, aliás, que o consenso se dissiparia se o grupo de sábios tivesse que optar entre os diferentes tipos de investimento. Nesse caso teríamos três tipos de posições: os que rejeitam liminarmente qualquer tipo de investimento público contra-cíclico, com receio de ser apodados de Keynesianos, os que aprovam apenas alguns investimentos cirúrgicos, com critérios estratégicos, por exemplo para afirmação da economia portuguesa e os que aprovariam a generalidade dos investimentos rendíveis, cujos retornos futuros compensam o investimento inicial.
É um pouco surpreendente que muitos destes economistas tenham ficado silenciosos ou sido defensores activos na época da “política do betão” que nos dotou afinal de tantas das auto-estradas que agora se prestam a fotografias em que não se vislumbra uma viatura no horizonte, que permitiu a conclusão da A1 enquanto a renovação da linha do Norte (estou a falar de comboios) ainda não está concluída, quando um custo marginalmente superior teria permitido a construção de uma nova linha dupla, com base nos Alfa pendulares, e que permitiu a construção da Ponte Vasco da Gama, em ligação a Alcochete, a ligação mais extensa do Mar da Palha e sem inclusão de linha férrea! Nessa época também houve consenso – dos Ministros Borrego e Mira Amaral a geógrafos como o Prof. Jorge Gaspar – contra a Ponte Vasco da Gama, sem que a posição do Eng. Ferreira do Amaral deixasse de prevalecer. Hoje temos um comboio pesado a circular na Ponte 25 de Abril, desenhada para um transporte ligeiro, tornando necessária a terceira travessia, porque na segunda foi decidido não se fazer a ligação ferroviária.
Claro que o consenso do grupo de economistas é posto em causa logo na mesma edição do Expresso com a pergunta de Nicolau Santos – “podemos mesmo não fazer o TGV?”. Não é só a questão do compromisso assumido com Espanha por sucessivos governos – incluindo a ligação Aveiro – Salamanca em TGV, bem visível no mapa da página 5 do Expresso, essa sim uma ligação de rendibilidade provavelmente negativa, mesmo no cenário mais favorável. O TGV é um imperativo estratégico para reduzir a nossa dupla situação periférica – em relação a Espanha e ao resto da Europa. Se quebrarmos o compromisso da ligação de TGV Lisboa-Badajoz, evitamos de vez a necessidade também do novo aeroporto. Os portugueses passarão a ir de carro até Badajoz. De lá ao aeroporto de Madrid, no TGV espanhol, que dá pelo simpático nome de AVE, será um instante. Se a moda pega, o melhor investimento é mesmo em parques de estacionamento na futura maxi-metrópole Badajoz/Elvas. O aeroporto da Portela pode até ficar sobredimensionado.
Parar para pensar pode poupar-nos a construção de mais auto-estradas desnecessárias. Porém, tem três tipos de custos que não podem ser ignorados: 1 - As decisões de investimento são opções reais que expiram. O nível do apoio comunitário é hoje bem menor que há 15 anos atrás e até o actual apoio comunitário expirará brevemente. 2 - Uma decisão de fluxos financeiros equivalentes e rendibilidade positiva tem um valor actual mais baixo, se adiada. 3 – É socialmente benéfico que o investimento público seja contra-cíclico, para alisar a evolução da economia. Não parece discutível que esse esforço se justifica mais hoje, no momento da maior queda de produto em muitas décadas.
Parece pois que, em vez de pôr em causa o conjunto dos investimentos públicos, devemos avançar já com os mais benéficos pelo valor criado quer numa óptica privada quer ponderando externalidades como o conforto, a segurança, a redução de emissões de dióxido de carbono e o desenvolvimento de actividades a montante e a jusante.
Lisboa, 22 de Junho de 2009
* Catedrático de Finanças (ISCTE)
Comentários
Se um Esperança chateia muita gente, dois Esperança chateiam muito mais.