O bairrismo e as maternidades
Pergunta: O PSD, quando for poder, compromete-se a abrir de novo as maternidades que agora vão fechar?
Se não assume o compromisso, os portugueses devem considerar um acto de demagogia e mera chicana política as posições defendidas pelo actual líder Marques Mendes.
Comentários
Estes fogachos populistas fazem lembrar a 'revolta da Maria da Fonte', que em meados do séc. XIX pôs metade do país em pé de guerra. Pelo simples facto de as novas\ leis da saúde proibirem os enterramentos dentro das igrejas, passando a realizar-se em cemitérios.
O rude espírito analfabeto das mulheres do Minho temeu pelo bom aconchego das almas dos defuntos e rebelou-se. Atiçado pela padralhada, claro está, que cavalgou a onda para molestar mais uns quantos pedreiros-livres, e lutar pelo saudoso e naufragado miguelismo.
O senhor presidente Marques Mendes (e todos os seus engravatados autarcas) também faz muito bem em cavalgar esta onde de 'legítimo protesto popular' contra o governo. O seu lugar natural é onde estiver a demagogia verrinosa, a superstição antiga das mulheres do Minho, e a estreiteza de vistas. Está esquecido de que, se tivesse nascido numa maternidade decente, talvez não tivesse que usar sapatos de tacão grosso.
A intuição diz-me que uma maternidade com pouco movimento tem os médicos disponiveis para prestar o melhor serviço ás parturientes.
Já pensou, só em obstetras, pediatras, anestesistas e pessoal de enfermagem, a multiplicar por três turnos diários, quanto custa uma maternidade devidamente apetrechada?
1º. da parte do PSD que protesta sem convicção, no fundo sente-se que concorda. Levanta problemas de nacionalismo serôdio (bacoco, chamou-lhe Correia de Campos);
2º. da parte do governo Socrates.
A demagogia leva a esconder as verdadeiras causas do encerramento que são múltiplas mas acima de tudo económicas (de poupança como o ministro gosta de dizer).
A maior demagogia é afirmar que os blocos de parto não tem condições minimas e põem em risco a saúde das parturientes e dos rec´m-nascidos. A ser inteiramente verdade o seu dever era encerrá-las ou apetrechá-las de súbito. A responsabilidade do que suceder (enquanto se aguarda o processo de encerramento) nesses blocos impende directamente sobre o Ministro que até agora as manteve abertas. As mesmas responsabilidades sobre o passado.
O processo judicial que decorre no Hospital de Mirandela sobre um problema deste foro, devia, nesta onda, ser remetido à João Crisostomo.
Penso que vestir a pele de demagogo deve sair caro, aos aprendizes!
Há uma maternidade que estando referenciada para fechar faz > de 1000 partos por ano.
Vamos supor que tem 6 obstretas, 2 anestesista e 1 pediatra. Vamos imaginar que existe outra que faz 2000 e tem, p. exº., 8 obstretas, 3 anestesistas e 2 pediatras.
Temos de concordar que o diferenciamento técnico - as performances em termos profissionais - entre estas hipotéticas maternidades perde relevância.
O problema é existirem maternidades, como afirmou o ministro, que não tinham anestesistas suficientes para garantir, p. exº., anestesias epidurais ou especialistas credenciados em neo-natologia.
Para não falarmos em questões de equipamento, como p. exº, para assistencia a prematuros (vulgo:incubadoras)
Portanto, não estavam em boas condições de funcionamento.
Mas, devemos (temos) interrogar-nos, como se mantiveram em funcionamento, até agora.
De qualquer modo, devo afirmar que acho esta medida acertada na medida em que concentra, rentabiliza e disciplina capacidades humanas e, com certeza, técnicas.
Falta assegurar, com eficácia e segurança, os meios necessários para proceder às necessárias deslocações das parturientes.
Os hospitais disporão de meios próprios ou, este serviço, será adjudicado aos bombeiros?
A saúde materna e neo-natal precisa de ser concebida em termos globais o que não parece ser o caso. Nesta área há imensos estudos feitos, os diagnósticos estão consolidados, constituindo, por exemplo, um autêntico dislate as peripécias que se têm vivido no Porto.
Ficaremos, portanto, atentos à futuros índices de mortalidade peri e neo-natal.
Ou, se quiser, vamos rezar para que não subam.
Eminência:
em Saúde , tal como na Cúria, não existem soluções técnicas, bacteriologicamente puras. As questões - as estratégias - políticas e económicas não são, nunca foram, nos assuntos sociais, despiciendas.
A matemática...
Não se afirma que é igual ... mas perde relevância (a tal "curva de aprendizagem").
Enfim, como sabemos todos, a Medicina não é matemática, nem nenhuma ciência exacta!
Eminência: concedo-lhe o benefício para quem está habituado a lidar com questões dogmáticas.
Não é?
‘Marketing’ social (II)
Paulo Kuteev-Moreira
A obstetrícia está a evoluir de uma medicina defensiva para uma medicina de intervenção mínima que respeita os ritmos do bebé e da mãe.
O grande mal-entendido à volta do encerramento de algumas maternidades é um sintoma da iliteracia em Saúde de que sofre a nossa população. O silêncio e ambiguidade dos responsáveis das profissões de Saúde é surpreendente e pode ser confundido com conivência com a demagogia autárquica.
Não fosse termos referido recentemente, neste mesmo espaço, a importância do factor “iliteracia” para uma nova economia da Saúde no âmbito dos desafios do financiamento sustentável, e poderíamos centrar o debate sobre o papel da disciplina de ‘Marketing’ social numa outra temática. Mas a responsabilidade social inerente ao privilégio de termos contacto com o conhecimento, obriga-nos a enfrentar o tema de política de Saúde mais quente dos últimos meses.
Para além dos dados técnicos e relatórios de uma comissão avalizada que recomendaram ao Ministro da Saúde o encerramento de algumas maternidades, deveríamos estar a discutir algo mais profundo conforme a evolução verificada em vários dos países mais desenvolvidos do Mundo (incluindo a Suécia, Noruega, Dinamarca, Inglaterra, Espanha, etc.). Trata-se da promoção de condições, estruturas e serviços de apoio ao parto em casa (!). Para que tomem atenção os interessados, e possam procurar dados para o debate, na Holanda, mais de 30% dos partos têm lugar na tranquilidade do lar. Estranham alguns leitores esta revelação? É apenas uma tendência internacional, redescoberta na última década do Século XX, e que está a passar de moda restrita à elite e classe média-alta a principio de boa prática comum e voluntária desde que, obviamente, salvaguardado o melhor acompanhamento durante a gravidez e, naturalmente, exceptuando as grávidas de risco.
Para o cidadão que tenha condições de habitação razoáveis e em contexto de apoios tecnológicos mínimos (incluindo equipamentos básicos de telemedicina) trata-se de uma opção extremamente atraente para a família desde que acompanhada por profissionais de enfermagem especializados e apoio, mesmo que à distância, do médico especializado.
Em Espanha a associação ‘Nacer en Casa’, em consonância com outros estudos internacionais no âmbito da humanização da Saúde, assume que o parto de acordo com os protocolos clínicos actuais é, em grande medida, anti-natural. Na essência, a mulher sente-se tratada como insignificante no nascimento do seu próprio filho. Um dos elementos de humanização da Saúde inerente a esta surpreendente tendência é a formação dos profissionais de Saúde para preparar todos os detalhes do parto no domicílio no sentido de superar os medos e ansiedades da mãe. Um dos propósitos desta abordagem é promover a consciência de que a mãe é a protagonista e que os recursos necessários para dar à luz estão dentro dela. Os profissionais de Saúde estão ali para o caso de surgir um problema. Ou seja, a literatura internacional constata que a medicina obstétrica está a evoluir de uma medicina defensiva para uma medicina de intervenção mínima que respeita os ritmos do bebé e da mãe. É evidente porém que esta abordagem exige muita paciência, mais tempo de atenção e uma preparação mais cuidada. Nos últimos 5 anos, em Espanha, deram-se mais de 1500 partos domiciliários. Esta não é uma actividade regulamentada, embora não seja ilegal. Os preços, desde 1200 euros, são estabelecidos numa base de contrato de prestação de serviço privado. A situação no país vizinho ainda contrasta com a refinada regulamentação e financiamento público do parto domiciliário garantido por serviços de Saúde locais na Holanda e Alemanha. Uma ideia para as Unidades de Saúde Familiares em Portugal?
Na mesma linha de desafio de inovação organizacional dos serviços nacionais de Saúde (SNS), a Organização Mundial de Saúde considera que o leite materno deve ser o alimento exclusivo do bebé até aos seis meses. As vantagens incluem o estabelecimento de um vínculo entre mãe e bebé muito mais forte e rápido. A mãe sente-se em controlo da situação e com a auto-estima reforçada, reduzindo o potencial de depressão pós-parto.
Entretanto, ao definirmos Marketing Social como a disciplina que promove a adopção de técnicas de Persuasão Social para promover a adesão a um comportamento, constatamos que esta é uma abordagem prioritária para a modernização do SNS português. ‘Empowerment da mulher’? ‘Empowerment’ dos autarcas?
O poder simbólico do recém-nascido dá votos. Promove emoções. Turva a razão. Cuidado!
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Paulo Kuteev-Moreira, Doutor em Gestão da Saúde pela University of Manchester
1. O supra-sumo do progresso, no que respeita ao acto de parir filhos, é voltar à tradição natural?`É o parto em casa? É voltar às antigas e assustadoras percentagens de mortalidade no parto? O que é que o sistema de saúde, no ponto em que hoje se encontra, poderia e deveria fazer para as evitar? Será mais racional e mais barato orientar o sistema para apoios domiciliários espúrios a cada parturiente, em cada casa, em cada situação particular?
O leite materno é o melhor alimento para o bebé, vamos dar isso de barato. Mas o que me parece, com todo o respeito, é que este apelo moderno ao parto em casa se confunde com o regresso da mulher a casa. É apenas o primeiro passo.
De elemento 'insignificante no nascimento do seu próprio filho', a mulher passa a 'protagonista' da maternidade. Teoricamente, tudo bem, foi assim que o mundo se fez mundo, durante milhões de anos.
Porém, a economia moderna... a revolução tecnológica... a rarefação dos mercados de trabalho... o desemprego maciço... fazem desconfiar. Não era muito melhor se a mulher desamparasse a loja e voltasse a casa?
2. Esta abordagem da questão, no momento em que se discute a melhor organização dos serviços de maternidade, vem apenas desviar a atenção do que é essencial. Fechar, ou não, serviços ineficazes e mal apetrechados, que comportam riscos. Sou dessa opinião, por razões técnicas e por razões económicas. A "resistência popular" é apenas uma nova versão da Maria da Fonte. Alguns autarcas demagogos são o seu braço.
3. O governo comete o erro de aceitar que alguns autarcas "se responsabilizem" pela contratação de técnicos. Supõe-se que também pelo seu pagamento. A ver vamos. Parece haver autarcas que já deslumbraram os povos com as suas rotundas e jogos de água. E que, não sabendo embora o que fazer às dívidas, descobrem agora uma nova maneira de deslumbrar os munícipes, "responsabilizando-se" pelos serviços de apoio à maternidade. É comovedor, não haja dúvida. Mas é demagógico, inconsistente e perigoso.
Ora sobre o discernimento e o sentido da realidade da maioria dos autarcas, estamos nós conversados. O governo devia trilhar outros caminhos.
Então, era isso!
E, nós, "ileteratos", a pensarmos que a saude materno-infantil era uma área de investimento no campo sanitário...
E, nós, que não temos graduações em Gestão da Saúde, estarmos para aqui - levianamente - a pensar que,
os portugueses, ao levantarem questões sobre este assunto reivindicam direitos sociais.
As medidas de encerramento de maternidades são compreensíveis nos aspectos técnicos, organizativos e ... de gestão económica. O que não é pouco.
Mas, socialmente, num país recheado de assimetrias, são desastrosas. Incrementam o êxodo dos campos para as cidades. Favorecem a desertificação do interior o que é, no mínimo, dramático.
‘Empowerment’ urbano?
Em Portugal elevadas taxas de natalidade registam-se em famílias economicamente (e socialmente) muito carenciadas.
Muitas dessas famílias vivem em pardieiros, bairros da lata, "ilhas", etc.
Doutor, parto domiciliário aí?
Não me lixe!
É tudo isto que falta perceber: os motivos do encerramento. É que por um lado argumentam-se dificuldades económicas e por outro acenam-se as benditas razões de perícia médica. Decidam-se! E depois de se decidirem expliquem às mulheres em causa porque é que vão ter de começar a parir noutro distrito ou noutro País!