Terras da Beira
São cada vez mais os mortos que povoam os cemitérios e menos os vivos que ficam. Os jovens saíram pelas estradas que invadiram o seu habitat. Fugiram das courelas que irmãos disputavam à sacholada e à facada, dos regatos que secaram a caminho das hortas, da humidade que penetrava as casas e os ossos e da pobreza que os consumia.
Não há estímulo para permanecer. Não se percebe que as penedias tivessem custado vidas na disputa da fronteira, que homens se tivessem agarrado aos sítios e enchido de filhos as mulheres que lhes suportavam o vinho, a rudeza e os maus-tratos.
Os tempos mudaram e os campos, abandonados, são pasto de chamas que lhe devoram os arbustos, no estio, e os entregam à erosão.
Os funerais são o momento de fazer o recenseamento dos que resistem. Nas missas, os padres em via de extinção debitam com ar sofrido a homilia, com pressa de passar à paróquia seguinte e sem coragem para falar do Inferno. Ora, sem medo, sem ameaças e sem convicção não há fé que resista ao ar lúgubre de uma igreja, ao frio do lajedo e às imagem que substituíram as antigas que rumaram aos antiquários.
Falar de castidade a quem a idade condenou, dos malefícios do aborto a quem passou há décadas a menopausa e na obrigação de aceitar os filhos que Deus mandar a quem já não é capaz de os gerar, é persistir em rotinas que a desatenção e a demência cultivam.
Há dias fui à Beira onde nasci. São poucas as pessoas que permanecem. O País inclina-se perigosamente para o mar com o interior despovoado, a caminhar para o deserto. Outrora, aquela zona foi um alfobre de gente, hoje é um cemitério de recordações em vias de extinção.
A nossa incúria vai reduzindo Portugal a uma estreita faixa com mar à vista. Até o Presidente da República diz que devemos virar-nos para o mar. É uma forma de nos afogarmos de frente.
Foi esta regionalização que o PSD e o CDS quiseram.
Não há estímulo para permanecer. Não se percebe que as penedias tivessem custado vidas na disputa da fronteira, que homens se tivessem agarrado aos sítios e enchido de filhos as mulheres que lhes suportavam o vinho, a rudeza e os maus-tratos.
Os tempos mudaram e os campos, abandonados, são pasto de chamas que lhe devoram os arbustos, no estio, e os entregam à erosão.
Os funerais são o momento de fazer o recenseamento dos que resistem. Nas missas, os padres em via de extinção debitam com ar sofrido a homilia, com pressa de passar à paróquia seguinte e sem coragem para falar do Inferno. Ora, sem medo, sem ameaças e sem convicção não há fé que resista ao ar lúgubre de uma igreja, ao frio do lajedo e às imagem que substituíram as antigas que rumaram aos antiquários.
Falar de castidade a quem a idade condenou, dos malefícios do aborto a quem passou há décadas a menopausa e na obrigação de aceitar os filhos que Deus mandar a quem já não é capaz de os gerar, é persistir em rotinas que a desatenção e a demência cultivam.
Há dias fui à Beira onde nasci. São poucas as pessoas que permanecem. O País inclina-se perigosamente para o mar com o interior despovoado, a caminhar para o deserto. Outrora, aquela zona foi um alfobre de gente, hoje é um cemitério de recordações em vias de extinção.
A nossa incúria vai reduzindo Portugal a uma estreita faixa com mar à vista. Até o Presidente da República diz que devemos virar-nos para o mar. É uma forma de nos afogarmos de frente.
Foi esta regionalização que o PSD e o CDS quiseram.
Comentários
Andamos como o outro, a ler a necrologia nas paredes para saber se estamos vivos.
Ele há saídas metafísicas para quem nelas crê, há o 5º império, as sinas das ciganas, sei lá. Visionários houve sempre entre nós, e suicidas, muitos, cujas vozes nós calamos, placidamente.
Há um ministro aí a declarar-se na Galiza um 'iberista confesso', a dizer brutalidades que nenhuma imprensa põe em causa, que forças a calarão. A verdade também é que se tem a impressão de que este governo é o último, se amanhã o primeiro-ministro acordasse cansado e fosse a Belém entregar a chave, não se vê quem pegaria nela.
Dizem que o Portugal verdadeiro sempre esteve no campo, que tudo o resto não passou nunca de experiências tentadas, de projectos de industrialização falhados, de etapas de progresso que se frustraram.
Dizem que no Brasil há mais terras de nome português do que quantas terras há em Portugal. Fomos fazê-las lá, e deixámos as nossas a desaparecer.
Dizem que a passada desta Europa é demais para a nossa perna, que cultivámos curta. Dizem que a história está a ajustar as contas connosco, agora que já não podemos desvalorizar a moeda e aumentar a taxa de juro.
Crescemos a ouvir dizer que as elites dirigentes e sabedoras blá-blá-blá, e afinal levantam-se-lhe as saias e só fica à mostra a ignorância, a venialidade, a sorna.
Gostava de dizer que acredito no povo, e acreditar no que digo.
Ser-se venal tornou-se venial. Infelizmente.
Tomei a liberdade de "linkar" este post no Regionalização
Caro jagudi,
Excelente comentário.
Antes passaria pela identificação, no interior, das cidades com maior dinamismo e transformá-las em "núcleos de regiões naturais" (v. projecto do Arq. Ribeiro Telles de há quase 30 anos...), pólos industriais, universitários, com uma grande vantagem face ao litoral: não se pode negar que Bragança, a Guarda ou Portalegre estão mais próximos do centro da Europa que Lisboa ou o Porto!
Será que regionalização era capaz de fazer melhor do que trazer camionetes de familias brasileiras para repovoar o interior?
Quanto às referências aos meus artigos, ou transcrições, só tenho que agradecer.
Quanto aos comentários do «jagudi» já me habituei à qualidade e ponderação com que enriquece o Ponte Europa.
O municipalismo teve entre nós boa tradição e melhores resultados. Mas é uma memória muito antiga, soterrada por séculos de ganga histórica, e pelas escombreiras dum império de robertos de feira. A sua versão modernizada, que é o poder local democrático (e as suas falácias), deu no que se vê. Salvas as excepções da norma, é uma alegre competição entre parolos deslumbrados com o que chamam o 'progresso', um campeonato de caciques megalómanos a desbaratar fortunas em pavilhões multi-usos vazios, em complexos desportivos para as moscas, em auditórios que ninguém usa. São a versão miúda das criações do poder central, das Expo's que se pagavam a si mesmas, dos estádios 2004, dos CCB's e das Casas da Música, com orçamentos a multiplicar por seis. Se atentarmos no que a casa gasta, é de temer que regionalizar fosse apenas clonar o Terreiro do Paço, ou clonar o João Jardim, que é bem pior.
Já outra coisa seria o projecto do arq. Ribeiro Telles, que V. deixa esboçado. O problema é a energia necessária para o erguer. Para vencer as cliques partidárias, as teias de favores, os pântanos de interesses, as gulas de apoiantes que se compram com benesses. O problema é que o conceito de interesse público se tornou um lugar vazio.
Algures, nisto tudo se perdeu a racionalidade.
Oxalá...
Anónimo das 12:23
O mais provável é que o tal interior repovoado venha apenas a ser um ponto de passagem de brasileiros para uma Europa mais vasta.
O seu último post (6:12 PM) foi uma lúcida análise que a todos deve fazer reflectir.
Rigorosa, talhada a bisturi e pensada com profundidade.
Dentro em breve já ninguém sabe quem foi Ribeiro Teles (felizmente vivo) perdidos nas curvas das rotundas e nos Planos Directores Municipais feitos à medida de interesses dos caciques eleitorais.
Até porque, como já se disse, qualquer dia nem sequer haverá nada para regionalizar sem ser no litoral...
E com imensa tristeza, que eu beirao tambem, constacto que tudo quanto o meu amigo escreveu, embora nos doa muito e a pura verdade. Nao sei se foi so o Psd e cds que sao os responsaveis, mas sejam eles quais forem, sao indesculpaveis, Mas tambem lhe direi que as medidas que este governo se prepara para tomar, em nada vao contribuir para inverter a tendencia. Quanto quizera estar errado, mas as autoestradas sem custo parece que servirao, para que a nossa gente possa mais depressa e barato. rumar ou para o litoral ou para o estrangeiro.
Passe pelo meu sitio:
http://aquidalgodres.blogspot.com
Um abraco beirao.