A VIAGEM DO FARAÓ - Do Allgarve aos ilhéus de Fora

(do Allgarve, ilhas Selvagens, ilhotas Palheiros do Mar e da Terra e ilhéus de Fora)

Num velho país a norte de África habitava num palácio sem marquises, um faraó e a sua faraoa e, apesar de lhe faltar o apreço e o brilho dos seus antecessores, era o sexto faraó da 3.ª dinastia, iniciada com dois faraós provisórios, depois da Revolução contra faraós vitalícios.

Este faraó andava sempre com a sua faraoa e tinha grande admiração pelos sacerdotes e uma enorme devoção aos deuses, não faltando aos sacrifícios em sua honra. Quando o Grande Sacerdote do norte foi nomeado Grande Sacerdote do sul, por graça do Sumo Sacerdote Universal, assistiu ao ritual de consagração com os mais eminentes membros da classe do saiote branco, nomarcas e, um pouco atrás, os vizires.

Todos foram aclamados por membros do povo contratados antes da cerimónia litúrgica.

Talvez castigo de Hórus, os dois últimos anos, que um escriba coevo descreveu, foram de verdadeiras pragas. Esvaziaram-se os já debilitados celeiros, os homens ficaram sem trabalho e as dracmas sumiram-se em paraísos fiscais após várias tropelias de membros do saiote branco e nomarcas, alguns do círculo íntimo do faraó.

O velho país continuou a apelar a empréstimos de agiotas estrangeiros e a ficar cada vez mais empenhado, com o povo desesperado e com fome, quando o grande vizir cobrador de impostos se demitiu, escreveu em papiro público que não sabia administrar os bens e que os vizires seus colegas não se entendiam nem tinham quem pusesse mão neles. Foi então que, num outro papiro, um ambicioso vizir, encarregado de negócios com outros reinos, se despediu, enquanto o faraó transformava uma pequena vizir em nova grande vizir cobradora de impostos, perante o gáudio popular por tão insólita encenação.

O reino, por invejas e inépcia dos governadores, entrou em putrefação acelerada após a saída do Grande Cobrador de Impostos. O faraó, habituado ao silêncio e a sinais que só os sacerdotes adivinhavam, fez um discurso na língua nativa e ninguém o percebeu, mas não faltaram tradutores avençados a dizer que falou muito bem. O caos instalou-se.

No Palácio das Reuniões uma mulher da baixa nobreza, referida nos papiros da época por Heloísa Apolónia, ameaçou com uma moção de censura os vizires do faraó. Este, enxofrado com o despautério, para não a ouvir, decidiu viajar para ilhas remotas onde não fosse contestado e dormir na Selvagem Grande, certamente para ter no currículo a palavra «grande» enquanto o país se dividiu entre os que desejavam que lá ficasse e os que não queriam que regressasse.

Gizé, ano 74 d.c. (depois de cavaco)

O Escriba a) (assinatura indecifrável)

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