Melo Antunes - Herói condenado à morte
Melo Antunes é uma das grandes figuras da Revolução de Abril e o mais destacado ideólogo do MFA.
Dele se pode dizer que esteve sempre do lado certo da vida e da História, na CDE como candidato a deputado contra a ditadura, na participação cívica, nas discussões sobre a guerra colonial, a política e a cultura.
Conheci-o na SEDES, onde fui a um colóquio a convite de Afonso Moura Guedes que tentava desfazer a minha suspeita quanto à inspiração marcelista da associação. Assisti a uma desassombrada intervenção do jovem capitão quando o 25 de Abril ainda não era sonhado. Lembro-me do fascínio com que o escutou Vasco da Gama Fernandes que pediu a palavra para dizer como tinha ficado maravilhado por aquela intervenção.
Não há provavelmente qualquer referência a essa intervenção onde claramente ilibou os jovens capitães da conivência na guerra colonial e abertamente acusou os generais de conluio com o poder político e económico. Foi certeiro no diagnóstico e profético quanto ao futuro.
Da participação política e militar na Revolução de Abril, das suas passagens por vários Governos, do que ficámos a dever à sua cultura, inteligência e coragem, recordamo-nos todos os que vivemos a euforia da liberdade e a bênção da democracia. Pode ser menos conhecida a sua vasta cultura, o cinéfilo, o melómano, o intelectual ecléctico e o pensador profundo.
Mas o que não conhecíamos era a «sentença» de morte que uma sinistra organização inspirada pelo general Spínola tinha proferido contra ele. Chamava-se MDLP e os seus crimes ficaram impunes, apesar das mortes e roubos que se lhe atribuem, enquanto o velho «Viriato» e autocrata morreu com o bastão de marechal e com aura de democrata. A sentença foi esta semana revelada pelo Expresso.
A última vez que conversei com Melo Antunes foi no Café Piolho, em Coimbra, poucos meses antes do 25 de Abril onde veio com o Emanuel, um amigo comum, que prestava serviço militar em Leiria, como aspirante miliciano. Não esquecerei o brilho da sua inteligência, a força das convicções e a vontade de mudar Portugal.
Cumpriu de forma exemplar.
Comentários
Alguns meses antes do 25 de Abril - julgo que nos finais de1973 - vivia, como muitos estudantes de Coimbra, numa das "repúblicas" da Alta.
Foi, então, anunciado que à noite, logo após o jantar, haveria um debate sobre a guerra colonial, com convidados.
Tínhamos por hábito não fazer muitas perguntas. Atavismos do passado.
Uns companheiros jantaram connosco e no final de um frugal repasto, arrumamos a mesa, arranjamos bancos corridos e algumas cadeiras - preparamos a sala.
Começaram a chegar estudantes - estávamos ainda no café - vindos de outras "repúblicas", amigos da "casa", gente da Alta...
O debate foi excelente e esclarecedor. A guerra colonial era, naquele momento, o cerne da contestação do movimento estudantil. A AAC estava encerrada pela ditadura e as "repúblicas" eram um dos refúgios organizativos alternativos da luta anti-colonial.
Foi possível levantar muitas questões e trazer à liça inúmeras e novas informações.
De entre os "convidados" havia um que se distinguia pela clareza de conceitos, pela firmeza das suas convicções, pelas perspectivas de futuro, por uma "bagagem" cultural, impressionante.
"Monopolizou" - com evidente capacidade de saciar as nossas dúvidas - grande parte do debate que, terminou altas horas da noite, decomposto em múltiplos pequenos focos de diálogo e as devidas homenagens a Baco.
Só alguns meses mais tarde vim a saber que esse brilhante convidado era o major Melo Antunes.