Cristo-Rei – 50.º aniversário

Nascido da megalomania conjunta da ditadura e do episcopado, com pretensão de imitar o Cristo do Corcovado, fez-se a obra, de gosto duvidoso, como destino de peregrinações para cultivar o nacionalismo e a fé. Ao sítio falta a beleza do Corcovado, ao monumento a dignidade do original e a ambos a grandeza e a formosura que serviram de inspiração.


Assistiram à inauguração os piores daquele tempo. Salazar e os ministros, Cerejeira e os bispos, a força pública e o público à força. Passado algum tempo houve a peregrinação sob o lema «Os novos escolhem Deus», uma torrente de jovens e de oportunidades para atenuar a castidade.


O cardeal Cerejeira exortou, então, os jovens a irem para África defender a civilização cristã e ocidental. Depois vi o comportamento do exército colonial e percebi o que era a civilização cristã e ocidental, com as armas benzidas e militares assistidos por capelães para que não lhes faltassem as missas e os últimos sacramentos.


O conúbio obsceno entre o regime fascista e o clero romano levou muitos a duvidar da virtude dos padres e do martírio de deus. A cumplicidade da ditadura com o clero foi o alarme que levou muitos padres a abandonar a Igreja e muitos jovens a evitar os padres.


Cinquenta anos depois, altos dignitários da Nação, não respeitam a separação da Igreja e do Estado e vão abrilhantar o espectáculo pio com a vergonhosa presença na cerimónia beata de uma religião particular.


É difícil distinguir os que hoje frequentam as comemorações pias dos que, há cinquenta anos, perseguiam os que não se ajoelhavam. Se a ditadura se mantivesse, podiam ser os mesmos a gravitar em torno das sotainas, tal a falta de pudor republicano e a desfaçatez com que confundem as devoções particulares com as funções de Estado.


Antero de Quental tinha razão quando diagnosticou as causas da decadência dos povos peninsulares. Em relação a Portugal mantêm-se actuais.


Post Scriptum – Na designação de Cristo-Rei permanece o paradigma da Igreja católica – a monarquia absoluta, cujo chefe é o rei, assim na terra como no Céu.

Comentários

e-pá! disse…
Não sei se o cardeal Cerejeira, alguma vez, visitou Nova York...

Mas se o fez, tenho a certeza que não chegou a Portugal entusisamado para construir uma réplica da Estátua da Liberdade.

Os icones religiosos e os cívicos não são compatíveis...

Mas as autoridades representativas de um Estado laico, acotovelam-se para estar em todas.
Sejam representações cívicas, religiosas, nacionais, europeias, mundiais...
Tanto faz! O importante é aparecer...
e-pá:

Para vergonha de um país que rasteja vamos ver quem tem o dever de defender a laicidade a rastejar também.

Sou obrigado a respeitá-los mas ninguém me pode impedir de sentir nojo.
Tenho a impressão de que, tendo eu uns 8 ou 9 anos de idade, ainda contribui com alguns 5 tostões para a construção do Cristo-Rei. Mal empregados 5 tostões! Mais valia ter comprado uma carteira de cromos das "Raças Humanas", que custava 4 tostões, e ainda me sobrava um tostão para comprar 2 rebuçados de meio tostão!

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